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Crise econômica já dura dez anos
GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Pouso suave ou "soft landing": é
a redução de modo suave, mas
por um longo período, do nível de
atividade de uma economia. É
ruim, óbvio, mas ainda assim é
melhor que um "crash", ou seja,
um súbito despencar da produção, do investimento, do emprego
e do consumo que destrói por
completo uma economia.
O Japão vive há uma década um
processo relativamente tranquilo
de "soft landing": não houve nenhuma catástrofe, mas o desaquecimento da economia foi tamanho que muita gente fala de uma
"década perdida".
O processo de inflação da bolha
especulativa japonesa lembra
muito o processo que vem ocorrendo mais recentemente nos
EUA. Alguns economistas, aliás,
acham que os EUA talvez sigam
roteiro semelhante ao japonês.
A bolha financeira japonesa começou a inflar em 1983. Em 1986,
a aceleração era notável. Falava-se
no Japão e no Pacífico como os
novos e insuperáveis pólos da expansão econômica mundial. Nos
EUA, políticos marretavam aparelhos eletrônicos japoneses no
gramado em frente ao Capitólio.
O índice acionário japonês, o
Nikkei 225, chegava no final de
1989 ao triplo do que havia registrado no final de 1985. Mas, em
agosto de 1992, o murchamento
estava claro: a queima de valor na
Bolsa do Japão deixava o índice
60% abaixo do pico. Em 1998, as
ações ainda estavam cerca de 70%
abaixo do valor de pico anterior.
Quais as raízes da ascensão e
queda da economia japonesa?
Talvez somente uma boa perspectiva histórica ajude a entender,
lembrando casos semelhantes
nos séculos 19 e 20.
Tanto a Inglaterra quanto os
EUA, antes do Japão, tiveram longos períodos de expansão econômica e domínio tecnológico que
criaram amplas esferas de influência em todo o planeta.
Mas as grandes potências parecem condenadas a um destino inglório: quanto mais crescem, mais
tendem a estimular investimentos
e transferência de centros produtivos para as suas periferias. No
centro, surgem pólos financeiros
e políticos. É o que se viu com a
City londrina e com Wall Street.
Enquanto o sistema se expande,
o centro financeiro converte-se
numa espetacular máquina de reciclagem de excedentes. Isso foi
ocorrendo com o Japão nos anos
80, quando já estava claro que os
chamados "tigres asiáticos" eram
filhotes do salto desenvolvimentista japonês.
O investimento direto de empresas japonesas na região criava
uma vasta rede de produção financiada não apenas em Tóquio,
mas em todo o mercado de capitais globalizado.
No centro do sistema, entretanto, os excedentes que circulam
passam a financiar projetos imobiliários menos eficientes, assim
como o consumo de luxo e as
apostas ainda mais especulativas
nos vários satélites.
O Japão foi envolvido pelo círculo da acumulação de ativos financeiros sobre uma base produtiva regional e altamente dependente dos mercados consumidores globais.
Proliferam os comportamentos
financeiros agressivos (conhecidos como "bullish", de "bull",
touro). A desregulamentação das
operações financeiras, no entanto, que era vendida pelos apóstolos do neoliberalismo como a receita para eternizar o sucesso e a
abundância, tornavam baixíssima a visibilidade das operações
de financiamento e crédito.
Quando ocorre a inversão de sinal e cai o crescimento econômico, a falta de lastro real e a inviabilidade de milhares de projetos de
investimento vêm à tona. A bolha
estoura. Para evitar que se chegue
a uma catástrofe, o governo japonês passou a injetar dinheiro no
sistema e a administrar com o
máximo de gradualismo a reforma do sistema bancário.
Essa operação de rescaldo ainda
não acabou. O "soft landing" continua e a administração da crise só
não foi mais conturbada porque
os EUA, quando a Ásia desabava,
cresciam como um tigre.
O pior, no entanto, ainda está
por vir: são os EUA que, a partir
de agora, entram em regime de
"soft landing" enquanto nem o
Japão nem os tigres do Sudeste
Asiático nem a China inspiram
confiança o suficiente para afastar
a angústia com uma eventual recessão global.
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