São Paulo, domingo, 25 de junho de 2000


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Crise econômica já dura dez anos

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Pouso suave ou "soft landing": é a redução de modo suave, mas por um longo período, do nível de atividade de uma economia. É ruim, óbvio, mas ainda assim é melhor que um "crash", ou seja, um súbito despencar da produção, do investimento, do emprego e do consumo que destrói por completo uma economia.
O Japão vive há uma década um processo relativamente tranquilo de "soft landing": não houve nenhuma catástrofe, mas o desaquecimento da economia foi tamanho que muita gente fala de uma "década perdida".
O processo de inflação da bolha especulativa japonesa lembra muito o processo que vem ocorrendo mais recentemente nos EUA. Alguns economistas, aliás, acham que os EUA talvez sigam roteiro semelhante ao japonês.
A bolha financeira japonesa começou a inflar em 1983. Em 1986, a aceleração era notável. Falava-se no Japão e no Pacífico como os novos e insuperáveis pólos da expansão econômica mundial. Nos EUA, políticos marretavam aparelhos eletrônicos japoneses no gramado em frente ao Capitólio.
O índice acionário japonês, o Nikkei 225, chegava no final de 1989 ao triplo do que havia registrado no final de 1985. Mas, em agosto de 1992, o murchamento estava claro: a queima de valor na Bolsa do Japão deixava o índice 60% abaixo do pico. Em 1998, as ações ainda estavam cerca de 70% abaixo do valor de pico anterior.
Quais as raízes da ascensão e queda da economia japonesa? Talvez somente uma boa perspectiva histórica ajude a entender, lembrando casos semelhantes nos séculos 19 e 20.
Tanto a Inglaterra quanto os EUA, antes do Japão, tiveram longos períodos de expansão econômica e domínio tecnológico que criaram amplas esferas de influência em todo o planeta.
Mas as grandes potências parecem condenadas a um destino inglório: quanto mais crescem, mais tendem a estimular investimentos e transferência de centros produtivos para as suas periferias. No centro, surgem pólos financeiros e políticos. É o que se viu com a City londrina e com Wall Street.
Enquanto o sistema se expande, o centro financeiro converte-se numa espetacular máquina de reciclagem de excedentes. Isso foi ocorrendo com o Japão nos anos 80, quando já estava claro que os chamados "tigres asiáticos" eram filhotes do salto desenvolvimentista japonês.
O investimento direto de empresas japonesas na região criava uma vasta rede de produção financiada não apenas em Tóquio, mas em todo o mercado de capitais globalizado.
No centro do sistema, entretanto, os excedentes que circulam passam a financiar projetos imobiliários menos eficientes, assim como o consumo de luxo e as apostas ainda mais especulativas nos vários satélites.
O Japão foi envolvido pelo círculo da acumulação de ativos financeiros sobre uma base produtiva regional e altamente dependente dos mercados consumidores globais.
Proliferam os comportamentos financeiros agressivos (conhecidos como "bullish", de "bull", touro). A desregulamentação das operações financeiras, no entanto, que era vendida pelos apóstolos do neoliberalismo como a receita para eternizar o sucesso e a abundância, tornavam baixíssima a visibilidade das operações de financiamento e crédito.
Quando ocorre a inversão de sinal e cai o crescimento econômico, a falta de lastro real e a inviabilidade de milhares de projetos de investimento vêm à tona. A bolha estoura. Para evitar que se chegue a uma catástrofe, o governo japonês passou a injetar dinheiro no sistema e a administrar com o máximo de gradualismo a reforma do sistema bancário.
Essa operação de rescaldo ainda não acabou. O "soft landing" continua e a administração da crise só não foi mais conturbada porque os EUA, quando a Ásia desabava, cresciam como um tigre.
O pior, no entanto, ainda está por vir: são os EUA que, a partir de agora, entram em regime de "soft landing" enquanto nem o Japão nem os tigres do Sudeste Asiático nem a China inspiram confiança o suficiente para afastar a angústia com uma eventual recessão global.


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