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VIDA NO JAPÃO
A maioria dos 250 mil descendentes de japoneses não tem direito ao voto e vive com a cabeça no Brasil
Imigrantes brasileiros são alheios à política
OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
Embora estejam do outro lado
do planeta, os cerca de 250 mil
brasileiros que emigraram para o
Japão estão mais interessados no
entra-e-sai de Celso Pitta da Prefeitura de São Paulo do que em
acompanhar a eleição parlamentar de hoje, que definirá o novo
governo nipônico.
"Os imigrantes brasileiros estão
mais voltados para o que acontece
no Brasil do que para a realidade
japonesa", disse à Folha o cientista político Alexandre Ratsuo Uehara, 33, do Núcleo de Pesquisa
em Relações Internacionais da
Universidade de São Paulo.
O brasileiro Uehara, que estuda
há um ano no Japão, fez uma pesquisa informal sobre o grau de interesse da comunidade brasileira
de Kawasaki (perto de Tóquio),
onde mora, no processo eleitoral:
"Seis em cada dez pessoas nem
sabiam que havia eleições".
São vários os motivos que explicam essa alienação. O mais determinante é o fato de os brasileiros
-como, aliás, todas as demais
comunidades estrangeiras- não
terem direito ao voto no Japão.
Como não votam, não têm peso
político, não apóiam nem lançam
candidatos.
"Se pudéssemos votar, teríamos
condições de eleger até dois vereadores em minha cidade", disse
à Folha por telefone o advogado
Etsuo Ishikawa, 39, presidente da
Associação dos Brasileiros de Hamamatsu (180 km ao sul de Tóquio), onde há uma das maiores
concentrações de brasileiros.
São cerca de 10 mil para uma
população de aproximadamente
600 mil pessoas. "Com 3.500 votos, elege-se um vereador. Se nos
uníssemos, poderíamos ter dois
representantes. Seria um grande
avanço", afirma Ishikawa, que
presta consultoria jurídica à comunidade brasileira.
Apenas os imigrantes com dupla nacionalidade podem votar.
Mas o Consulado Geral do Brasil
em Tóquio não sabe quantos eles
são, pois costumam entrar no Japão com passaporte japonês.
Segundo a cônsul-geral Maria
Edileuza Fontenelle, "já há um
início de debate sobre a possibilidade de os estrangeiros que vivem
no Japão um dia poderem votar".
"Mas não creio que haja uma evolução no curto prazo", diz.
Ela evita, entretanto, fazer comparações entre a situação da comunidade brasileira no Japão e a
realidade dos brasileiros de origem japonesa no Brasil.
"No Brasil, a comunidade de
origem japonesa adquiriu direitos
aos poucos, com o passar do tempo e com o nascimento de sucessivas gerações", explica. "No Japão, a imigração brasileira é um
fenômeno recente. As conquistas
virão aos poucos."
Os primeiros imigrantes japoneses chegaram ao Brasil em 1908
para trabalhar nas fazendas de café, granjas e pomares do Estado
de São Paulo. Hoje, o país tem a
maior colônia de origem japonesa
fora do Japão, com mais de 1,5 milhão de pessoas. Seus representantes estão em todos os setores
da sociedade e pertencem, em sua
maioria, à classe média.
Já a emigração de brasileiros para o Japão só ganhou importância
a partir da metade dos anos 80,
quando o país viveu um grande
desenvolvimento econômico e
passou a ter carência de mão-de-obra menos especializada.
Segundo o consulado brasileiro,
havia apenas 2.000 brasileiros no
Japão em 1985. Esse número saltou para 159 mil em 94 e cerca de
250 mil atualmente. Eles são conhecidos como "dekasseguis"
(termo que define a pessoa que
migra em busca de melhores
oportunidades de trabalho).
Praticamente 100% dos imigrantes brasileiros no Japão são filhos ou netos de japoneses. Possuem um visto de "nikkeis"
-pessoas de ascendência japonesa nascidas no exterior.
O governo japonês autoriza a
permanência dos "nikkeis" sob o
argumento de que eles viajam para conhecer a cultura de seus antepassados. Mas, ao mesmo tempo, lhes abre a possibilidade de
trabalhar. O visto deve ser renovado a cada três anos, no máximo.
O fosso entre a comunidade
brasileira no Japão e a sociedade
nipônica também explica a falta
de interesse no processo eleitoral.
"Os dekasseguis brasileiros vivem quase num gueto. Têm seus
jornais, um canal de TV, compram em lojas de brasileiros, frequentam bares e discotecas brasileiros", diz o padre Evaristo Higa,
49, que foi para o Japão há sete
anos para atender a brasileiros de
religião católica.
Há vários fatores que explicam
essa falta de integração. O japonês
é tradicionalmente fechado ao estrangeiro. O país começou a se
abrir para o exterior a partir do final do século 19 (após 250 anos de
isolamento quase total), mas o
processo só se intensificou a partir do final da Segunda Guerra
Mundial e, mais recentemente,
com o boom econômico da década de 80 e início dos anos 90.
Mesmo para os descendentes de
japoneses a integração é difícil.
"No Japão, tudo funciona de
acordo com regras sociais bem
definidas. Os imigrantes brasileiros, apesar da origem japonesa,
desconhecem esses costumes e
acabam criando pequenos conflitos", diz César Iwao Missawo, 34,
que ensina japonês para estrangeiros numa escola pública de Oizumi (noroeste de Tóquio).
A língua é mais um obstáculo,
pois vários dos imigrantes brasileiros são "sanseis" (netos de japoneses) ou "yonseis" (bisnetos)
e não dominam o japonês.
"Os japoneses se surpreendem
quando encontram um nikkei
que não fala japonês. Eles não entendem como alguém pode se assemelhar a eles fisicamente e não
falar a língua", afirma a jornalista
Andréia Ferreira, 31.
Andréia, que não tem ascendência japonesa, é editora-chefe
do "Jornal Tudo Bem", um semanário em português com circulação de 50 mil exemplares.
Há também um certo imediatismo na relação do imigrante brasileiro com o Japão. "Os brasileiros
vêm ao Japão com o objetivo de
juntar dinheiro para voltar ao
Brasil e abrir um negócio ou comprar um apartamento", explica
Maria Edileuza Fontenelle.
"A idéia inicial é de ficar apenas
dois ou três anos, mas, com a redução do ritmo da economia japonesa, muitos acabam ficando
mais tempo", diz a cônsul-geral.
Nem mesmo os rumos da economia chegam a chamar a atenção dos brasileiros para as eleições. "Os dekasseguis sentem o
pulso da economia a partir da realidade de sua empresa", afirma o
cientista político Alexandre Uehara. "O que conta é se ele tem
mais ou menos trabalho, se o salário sobe ou desce, se ele recebe
mais ou menos horas extras", diz
Uehara.
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