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ARTIGO
A escola pode ser uma arma contra a fome
PAUL TERGAT
ESPECIAL PARA O "LE MONDE"
Existem hoje cerca de 800 milhões de pessoas no mundo que
passam fome. Todos os dias, 24
mil delas -em sua maioria crianças- morrem de desnutrição ou
das consequências dela.
Essas estatísticas trágicas são
pouco conhecidas. E muito poucas pessoas sabem que a ONU
adotou como objetivo reduzir a
pobreza no mundo pela metade
até 2015. Entretanto, se continuarmos no ritmo atual, estaremos
longe de consegui-lo.
Dirigentes da ONU, chefes de
Estado e representantes de organizações humanitárias se reuniram em Roma, no início do mês,
para estudar os meios a serem utilizados para acelerar esse movimento.
Pobreza e fome são coisas que
eu conheço bem. Passei minha infância em Baringo, um pequeno
povoado do Quênia no vale do
Rift, devastado por seca, doenças,
miséria e escassez de alimentos.
Tudo isso tinha consequências
gravíssimas, sobretudo para as
crianças.
A maioria de meus amigos e colegas em Baringo era obrigada a
trabalhar duro para ajudar seus
pais a garantir sua subsistência.
Estudar, para eles, estava fora de
questão -ou, se o fizessem, era
ao custo do sacrifício de seus irmãos.
Alguns poucos de mais sorte,
como eu, frequentávamos a escola. Todas as manhãs caminhávamos cinco quilômetros para ir à
escola -de barriga vazia, é claro.
O difícil, nessas condições, era
prestar atenção às aulas.
Um dia, porém, quando eu tinha oito anos, tudo mudou. O
Programa Alimentar Mundial das
Nações Unidas (PAM) começou a
distribuir comida nas escolas da
região, e de repente eu tive a sensação de ter sido libertado de um
grande peso.
Pela primeira vez na vida, deixei
de sentir a dor da fome e me tornei um aluno atento. Colegas
meus que estavam havia muito
tempo sem ir à escola retornaram.
Outros, que nunca tinham posto
os pés numa sala de aula, vieram
engrossar nossas fileiras. Ainda
me recordo da enorme esperança
que essa ajuda providencial fez
nascer em nós.
Já faz tempo que cientistas e organizações que atuam em campo,
como o PAM, afirmam que a merenda escolar pode reduzir a fome
de maneira pontual e melhorar
sensivelmente os índices de presença e de aproveitamento dos
alunos. Além disso, ela compensa
as famílias pobres por parte da
perda de sua mão-de-obra.
As escolas que servem refeições
com frequência dobram seu quadro de alunos no prazo de um
ano, e o aproveitamento escolar
de seus alunos descreve um salto
de 40% em dois anos. A merenda
escolar é ainda mais útil pelo fato
de, longe de criar uma dependência passiva, libertar o potencial de
autonomia e realização das crianças.
É em parte ao modesto programa de alimentação de minha escola que devo minha força física,
minha sede de aprender e minha
vontade de ser o melhor no que
faço. Um programa do mesmo tipo pode fazer acontecer esse milagre para milhões de outras crianças no mundo. Peço a todos os
que participaram da Cúpula
Mundial da Alimentação que
pensem muito seriamente nessa
possibilidade, já que alimentar
300 milhões de crianças em idade
escolar subnutridas significa reduzir imediatamente em um terço o número de pessoas no mundo que passam fome, especialmente entre as mais vulneráveis.
O momento é ainda mais propício porque o Congresso americano acaba de decidir que vai financiar um programa internacional
de alimentação escolar durante
dez anos, com US$ 100 milhões
por ano. Outros países precisam
pegar esse bonde e aproveitar a
cúpula para assumir compromissos nesse mesmo sentido. Se cada
um fizer sua parte, poderemos reduzir rapidamente a fome no
mundo, apostando no futuro das
crianças e dos países pobres.
Será um sonho impossível? De
maneira alguma. Os programas
de merenda escolar deram ótimos
resultados na Europa, nos Estados Unidos, no Japão e em outras
partes do mundo no período pós-Segunda Guerra Mundial. No
prazo de uma geração, ajudaram
a transformá-los de países exauridos em nações prósperas e dinâmicas. O que impede o mundo de
fazer o mesmo pelos países em via
de desenvolvimento?
É através da educação que os
pobres poderão deixar a miséria
para trás e aproveitar os benefícios da globalização. A merenda
escolar é uma solução tão simples
quanto indispensável para combater a desnutrição e ajudar as
crianças carentes a começar a vida
com o pé direito.
O corredor queniano Paul Tergat é pentacampeão da corrida de São Silvestre, recordista mundial de meia-maratona e medalhista de prata na prova dos 10 mil metros nos Jogos Olímpicos de Atlanta e de Sydney.
Tradução de Clara Allain
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