São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Legislador nos EUA propõe dividir escolas entre etnias
Para autor da lei, único senador negro de Nebraska, divisão já é uma realidade
Uma lei que separa as escolas
públicas em distritos para negros, brancos e latinos entrará
em vigor em julho na cidade natal do ativista negro Malcom X,
assassinado em 1965. A divisão
valerá no município de Omaha,
Nebraska, EUA. Foi determinada por lei estadual, pois cabe
ao Estado legislar sobre educação. Seu autor é o único negro
no Legislativo estadual.
Ernie Chambers, 68, que não
é filiado a partido político, tornou-se, do dia para a noite, uma
figura conhecida -e odiada por
muitos- nos EUA. Alvo de críticas no "New York Times", diz
que a lei diminuirá os efeitos do
preconceito que ele mesmo experimentou na escola pública.
Duas entidades sociais de
afirmação de direitos dos negros brigam agora na Justiça
para que a lei seja considerada
inconstitucional. Mas, segundo
Chambers, não há como criar
algo que já existe. Como a divisão é uma realidade, ele afirma
que quis dar o controle das escolas e da verba à população
que efetivamente estuda em
cada distrito.
Graduado em direito e história, Chambers fez especializações em filosofia e espanhol.
Tem dois netos que estudam
em escolas públicas de Omaha.
Leia trechos da entrevista que o
senador estadual concedeu à
Folha por telefone.
FOLHA - Por que o sr. propôs uma lei que separa escolas por etnia? ERNIE CHAMBERS - Omaha é uma cidade já dividida. Na parte oeste, vivem os brancos e, obviamente, os mais ricos. O sul é onde vivem os latinos, e a parte norte, os negros. Por a cidade já ser dividida, as escolas públicas também o são. No distrito em que vivem os negros, as escolas não recebem os mesmos equipamentos e não têm a mesma qualidade de professores e livros. Em algumas escolas para brancos, estudantes têm laptops, enquanto em escolas para negros falta papel, e os pais precisam ratear gastos com material. Há muita desigualdade. A lei pretende dar a quem vive em cada distrito o controle dos recursos de suas escolas. FOLHA - Por que as escolas dos negros recebem menos recursos? CHAMBERS - Por racismo ou por simples falta de preocupação da administração pública exclusivamente branca. Nos EUA, você pode visitar uma cidade qualquer, e encontrará negros segregados, sem receber tratamento justo da lei, das escolas e dos empregadores. Apesar do que os EUA dizem e propagam ao mundo, a discriminação racial ainda é enorme aqui. FOLHA - A separação formal não reforçará o preconceito existente? CHAMBERS - A divisão já está aqui. Não há como criar algo que já existe. A única coisa que fizemos foi dar o controle das escolas das áreas divididas às pessoas que vivem ali. Não estamos dividindo nada. Além disso, com a lei, os estudantes ficam livres para se transferir para outra escola em outro distrito. A lei não obriga cada um a ficar onde está. FOLHA - A integração das escolas promovida nos anos 60 e 70 não ajudou a reduzir o preconceito? CHAMBERS - Não. Com a chamada integração, os negros chegaram às escolas boas, as dos brancos. Mas eles vinham de escolas bem piores e não estavam no mesmo nível dos outros alunos. Na verdade, não estavam aptos a ficar na mesma classe e tornavam-se motivo de riso. Eram segregadas dentro dos prédios das escolas. A questão é que o preconceito e a animosidade permanecem. Brancos não querem os negros na mesma escola. Negros não querem suas crianças em um ambiente em que elas não são tratadas de forma justa. Acredito que o caminho para começar a mudar isso é dar a todas as crianças uma educação decente. A divisão formal não é o que sonhei, não foi por isso que lutei a vida inteira. Mas, hoje, é o único jeito. FOLHA - Como os movimentos negros receberam a lei? CHAMBERS - Inicialmente, eles só escutavam que haveria a divisão. Não haviam lido o projeto. Quando me questionaram e enviei cópias, quase todos apoiaram. FOLHA - Há jornais e movimentos sociais que condenam o projeto. CHAMBERS - São elogios. Você pode julgar alguém com base em quem são seus inimigos. FOLHA - Mas há artigos em jornais
como "The New York Times".
CHAMBERS - Muitos jornais são
escritos por gente que não leu o
texto da lei. |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |