São Paulo, Domingo, 25 de Julho de 1999
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VIDA NA CASA BRANCA
Durante escândalo Lewinsky, assessor de Clinton manteve credibilidade e senso de humor malicioso
"McCurry foi um excelente porta-voz"



Leia entrevista feita por Kennedy Jr., morto em acidente aéreo no dia 16, publicada em março
JOHN KENNEDY
da "George"

Em vista de tudo o que aconteceu nos últimos 14 meses, muitas vezes nos perguntamos como o presidente Bill Clinton conseguia sair da cama todas as manhãs e ir trabalhar. Mas a grande pergunta é como o porta-voz da Casa Branca, Mike McCurry, conseguiu fazer seu trabalho?
Dia após dia, era ele quem tinha de enfrentar o bando de jornalistas da Casa Branca, enquanto Bill Clinton tentava se manter distante da imprensa.
A capacidade mostrada por McCurry para conservar sua credibilidade, ao mesmo tempo em que apresentava a versão governista dos acontecimentos -e ainda conservava seu senso de humor malicioso-, fez dele, para muitos, o melhor porta-voz presidencial em décadas.


Para JFK Jr., "McCurry é sedutoramente franco. Compraz-se ao falar não em nome do governo, mas dele mesmo"


Quando deixou a Casa Branca para trabalhar no setor privado, em outubro passado, ele recebeu da mídia quase tantos elogios quanto na época de sua indicação.
Mesmo assim, alguns integrantes do governo se queixaram de sua suposta proximidade excessiva com a imprensa e sua defesa pouco acirrada do presidente.
Os comentários duros que teceu recentemente a respeito do escândalo que envolveu o presidente e a ex-estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky não aumentaram seu grau de aprovação no círculo mais próximo de Clinton.
Como porta-voz do senador Bob Kerrey, de Nebraska, em 92, McCurry questionou abertamente se Bill Clinton, então pré-candidato do Partido Democrata à Presidência dos EUA, era "suficientemente honesto" para o cargo.
Mas, em 93, Clinton convocou McCurry para ser o porta-voz do Departamento de Estado. Dois anos mais tarde, ele tomou o lugar de Dee Dee Myers como porta-voz do presidente. E as relações instáveis da Casa Branca com a imprensa melhoraram praticamente da noite para o dia.
Desde que deixou o governo, McCurry vem desfrutando sua recém-conquistada condição de celebridade. Formado na Universidade Princeton em 1976, iniciou carreira em relações públicas na Public Strategies, uma empresa de Washington cuja sede fica próxima de seu antigo emprego.
McCurry é sedutoramente franco ao conversar. Fica claro que ele se compraz ao falar não em nome do governo, mas dele mesmo.

Pergunta - Todos nós já o observamos esgrimindo com jornalistas nos "briefings" diários à imprensa, mas qual é exatamente o trabalho do porta-voz da Presidência?
McCurry -
É mais fácil de compreendê-lo quando se analisa a geografia da Casa Branca. O escritório do porta-voz fica na ala oeste. Saindo dele, você vira à direita, anda 15 metros e está no Salão Oval. Mas, se virar à esquerda e andar 15 metros, estará na sala dos "briefings". Assim, o porta-voz fica a igual distância dessas duas instituições, cuja relação está se tornando cada vez mais antagônica. O porta-voz está lá para explicar um lado da equação ao outro e, depois, para tentar equilibrar os interesses de ambos. Manter fidelidade cega a qualquer um dos lados não funciona. Alguns porta-vozes foram leais demais ao presidente e não conseguiram fazer seu trabalho a contento.

Pergunta - Quais de seus antecessores deixou um exemplo que você não quis seguir?
McCurry -
O que eu mais quis evitar foi recriar o papel no qual caiu Ron Ziegler, que se tornou a voz pública da negação em nome da Casa Branca de Nixon. Como eu já disse no ano passado, o fato de eu, às vezes, ter estado um pouco distanciado e de sempre ter dependido do que os advogados se dispunham a me contar fez com que se tornasse impossível subir ao pódio e agravar a mentira que o presidente depois reconheceu ter contado. Fui muito criticado por essa declaração.

Pergunta - De que modo?
McCurry -
Nat Hentoff escreveu um artigo fortemente crítico no "The Washington Post" dizendo: "Todos esses jornalistas achavam que Mike McCurry era um sujeito legal, mas, na realidade, ele nos deixou na mão porque se orgulhou de não ter recebido as informações necessárias para responder às perguntas da imprensa". A crítica tem fundamento. Mas a alternativa teria sido sair por aí disseminando informações equivocadas, porque o presidente obviamente estava negando os fatos e ocultando seu caso (com Monica Lewinsky). Vocês teriam visto Mike McCurry agravando a mentira que Bill Clinton estava contando a sua mulher, sua equipe e seus amigos mais íntimos.


"O exemplo de qual antecessor você não quis seguir?", pergunta JFK. "O do porta-voz de Nixon", diz McCurry


Pergunta - Quais são as consequências imediatas de um porta-voz que é visto como adotando um tom excessivamente protetor em relação à Presidência?
McCurry -
Não existem consequências imediatas para a população americana, porque ela vai continuar ouvindo a versão não filtrada apresentada diariamente pela Casa Branca e, depois, todas as respostas dos críticos. A longo prazo, porém, você acaba por corroer a relação de confiança e credibilidade que precisa mantercom a imprensa. Sem isso, é impossível fazer o trabalho de porta-voz da Presidência, dia após dia. Existe um ambiente realmente pesado na sala dos "briefings" quando a imprensa não gosta de tratar com você, quando começa a pensar que você é mentiroso.

Pergunta - Você mencionou antes que a imprensa e a Casa Branca têm uma relação fundamentalmente antagônica. Como você fazia para não levar essa coisa ao nível pessoal?
McCurry -
Sempre usei meu senso de humor como escudo. A grande tradição começou com o porta-voz de Gerald Ford, Ron Nessen. Um colete à prova de balas começou a ser legado de um porta-voz ao seguinte. Se você se levar a sério demais, acabará muito mal.


Leia continuação à pág. 1-19











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