São Paulo, sábado, 25 de setembro de 2010

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Cinema do Irã sofre com censura oficial

Maior cerceamento do governo nos últimos anos vem prejudicando os talentosos e renomados cineastas do país

Política oficial mudou em favor de repressão a filmes com pretensões intelectuais e incentivo a dramas sem conteúdo

MONAVAR KHALAJ
DO "FINANCIAL TIMES", EM TEERÃ

O cinema de arte iraniano conquistou prêmios no mundo todo, e sua sensibilidade realista e linguagem rica tiveram elogios generalizados.
Diretores como Abbas Kiarostami ("Dez" e "Gosto de Cereja") e Jafar Panahi ("O Balão Branco" e "Ouro Carmim") foram celebrados e honrados com prêmios em festivais como o de Cannes.
Mas, em seu país, cineastas e críticos estão pessimistas quanto ao futuro do setor. A política do Estado parece ter mudado em favor da repressão aos filmes com quaisquer pretensões intelectuais, dizem, e promove no lugar dramas leves e despretensiosos.
A situação não é favorecida pela ampla disponibilidade de DVDs piratas ou legítimos de todos os grandes sucessos nacionais e internacionais.
Nas salas de cinema, os filmes estrangeiros em geral estão proibidos, e só os nacionais que passam pela censura encontram espaço.
Nos últimos cinco anos, comédias se tornaram os maiores sucessos de bilheteria. No atual ano do Irã, iniciado em 21 de março, a lista é comandada por "Poopak Va Mash Mashalah" e "O Filho de Adão e a Filha de Eva".
No primeiro, Poopak é uma jovem que se criou no Canadá e está visitando a tia no Irã. "O Filho de Adão e a Filha de Eva" é uma comédia romântica na qual casal de advogados divide escritório.
A questão é determinar se esse tipo de produção bastará para manter apoio ao cinema que alimentava talentos como Kiarostami e Panahi.
Segundo a ONG Associação de Vídeo Doméstico, a venda de ingressos de cinema caiu de 81 milhões anuais em 89 a 8 milhões em 2009.
Os dois maiores sucessos do ano não geraram mais de 10 bilhões de rial (US$ 952 mil) em bilheteria, de acordo com veículos e blogs locais.
O filme iraniano de maior bilheteria dos últimos anos foi a comédia "Ekharijiha 2º", ou "O Proscrito". A comédia é a continuação de sucesso anterior e se passa entre presos iranianos detidos no Iraque nos anos 80.
Um blog reformista descreve esses filmes como "Khaliwood". "Khali" quer dizer "tediosamente vazio".
Elham, 27, trabalha no setor privado e deixou de ir ao cinema duas vezes por semana, como costumava. "Parei de ir ao cinema há seis meses, para não desperdiçar tempo e dinheiro", diz, acrescentando que bons filmes se tornaram raros desde a posse do presidente Mahmoud Ahmadinejad, há cinco anos.

DEPENDÊNCIA
Os cineastas iranianos dependem do governo porque os roteiros precisam de aprovação do Ministério da Cultura para entrar em produção. O cinema no país depende em larga medida de fontes privadas de financiamento.
Mas a censura é tão rigorosa que potenciais investidores temem financiar qualquer coisa contenciosa ou meditativa, afirmam os críticos.
Diretores populares estão praticamente impedidos de obter financiamento. E os internacionalmente conhecidos enfrentam situação pior.
Kiarostami, Panahi e Baqman Qobadi só mostram seus filmes no exterior. Panahi foi detido por três meses neste ano pelo apoio à oposição no contestado pleito de 2009.
Mas alguns filmes mais incisivos escaparam à rede. "Procurando Elly", de Ashgar Farhadi, que conquistou o Urso de Prata no Festival de Berlim, foi exibido em Teerã.
O filme retrata grupo de iranianos que vai em férias ao mar Cáspio. Enquanto tentam manter os costumes sociais, Elly, a mulher solteira, desaparece, um acontecimento que leva ao exame de uma sociedade repressiva.
Mas isso é visto como insuficiente por muitos. O cineasta Hassan Fathi declarou há dois meses que nem se queixava mais, pois "a esperança de melhora desapareceu".


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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