São Paulo, domingo, 25 de novembro de 2001 |
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ARTIGO "É lá que encontraremos os camaleões que fingem amizade por nós", diz analista dos EUA Névoa da guerra paira sobre mundo árabe
FOUAD AJAMI Nossos líderes militares e políticos acertaram: depois de Cabul e do Taleban, há a caçada a Osama bin Laden e os que restaram de seus terroristas apocalípticos. E então, inevitavelmente, haverá a volta à origem de tudo isso: as difíceis e impenetráveis terras árabes de onde o terror surgiu. É bom lembrar que não foram afegãos que se lançaram contra as torres de vidro e aço de Nova York e contra o Pentágono. Foram 19 árabes -um sequestrador-chefe egípcio, um jovem do Líbano, dois dos Emirados Árabes Unidos e 15 sauditas. O Afeganistão, vindo de quase um quarto de século de guerra e banditismo, já se pronunciou em termos inconfundíveis. A música nas ruas, as barbearias nas quais os homens estão raspando suas barbas num gesto de desafio, as corajosas mulheres que estão retirando as burgas para dar adeus aos cruéis e medievais guerreiros do Taleban, tudo isso nos diz que essa terra triste anseia por um novo amanhecer. Não será fácil criar ordem nesse país devastado, nos dizem os céticos. Haverá problemas de origem étnica, nos avisam. Os homens da Aliança do Norte não são democratas jeffersonianos, acrescentam outras vozes. Tudo isso é verdade. Mesmo assim, é o caso de comemorarmos, sim. As calamidades antevistas para a força expedicionária norte-americana não se concretizaram. Foi usada força, mas ela foi criteriosa e proporcional ao extremo. O poderio aéreo foi decisivo; ele jogou por terra o mito dos guerreiros do Taleban, assim como fizera, dez anos atrás, com a lenda do duro Exército iraquiano. Nada de pedidos de desculpas. Esta é uma guerra, não uma campanha política, já afirmou nosso presidente. Nossa guerra é justa, e não há necessidade de buscar a sanção de Hosni Mubarak [presidente egípcio" ou das lendárias "ruas" árabes de Nablus ou Amã. A operação "Liberdade Duradoura" é uma guerra movida pela necessidade e imposta a um país traído e violado numa tranquila manhã de setembro. Nunca houve chance alguma de que o governante do Egito ou aquele que executa suas ordens -Amr Moussa, o secretário-geral da Liga Árabe, que costuma atiçar as chamas do antiamericanismo perante o grande público árabe- se colocassem abertamente de nosso lado ou reconhecessem que saiu deles a gente que nos desferiu um golpe duro. Na verdade, o que chama a atenção nessa história é a maneira como os Estados árabes, com a exceção da Jordânia, tentaram se esconder e permanecer de lado enquanto a campanha militar se desenrolava. Numa ironia suprema, o Irã manifestou mais solidariedade com os EUA do que o Egito. Os ataques foram criticados em Teerã. Iranianos fizeram uma vigília pelas vítimas. Egípcios dançaram nas ruas. O governante do Uzbequistão, Islam Karimov, se adiantou para posicionar-se do nosso lado, certo de que não se deve ter mercê do islamismo radical. Enquanto isso, nossos aliados no mundo árabe se esconderam por trás do velho álibi dos palestinos e de seu conflito com Israel. Muito perto do fogo, e mais implicado e diretamente ameaçado por essa guerra do que qualquer líder ou regime árabe, o estóico líder do Paquistão, general Pervez Musharraf, conteve a maré e enfrentou os radicais e arruaceiros. Teria sido mais fácil para ele fechar os olhos. Desculpas para isso não lhe faltavam: a Caxemira e a preferência manifestada pela Índia na diplomacia americana. Ele poderia ter apontado para as turbas em Islamabad e Karachi como álibi perfeito para optar por uma política totalmente diferente daquela que escolheu seguir. Ele poderia ter usado os receios justificados do Paquistão com relação à Aliança do Norte e seus vínculos com a Índia, a Rússia e o Irã. Em outras palavras, ele poderia ter escolhido a via árabe. Mas não o fez. Agora, quando a névoa da guerra começar a se dissipar em Cabul e Candahar, ela vai engrossar sobre o mundo árabe. É lá que a inteligência e o conhecimento americanos serão testados, onde encontraremos camaleões que fingem amizade por nós, ao mesmo tempo em que falam aos seus com um discurso totalmente diferente. Esses governantes nos dirão que teriam compartilhando nossa tristeza e nossa cólera justa se tivéssemos rejeitado Israel, se tivéssemos oferecido a Iasser Arafat uma reunião na Casa Branca, se tivéssemos "compreendido" a ira que corre solta em suas terras. Não devemos tolerar sua vitimologia e sua falsidade política. Em lugar disso, devemos nos lembrar de quem lamentou por nós e quem não o fez, quem cooperou conosco e quem não cooperou, nessa temporada que testou nossas almas e nossa determinação. Fouad Ajami é diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade Johns Hopkins em Washington Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Autoridade do Taleban se rende à Aliança do Norte Próximo Texto: Reunião em Bonn serve para ganhar tempo Índice |
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