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Reunião em Bonn serve para ganhar tempo
DO ENVIADO ESPECIAL A CABUL
Sob os olhos de todo mundo,
um grupo formado por algo entre
30 e 50 chefes tribais deve se reunir nesta semana em Bonn (Alemanha) para buscar um rumo para o Afeganistão após a retração
da milícia fundamentalista Taleban ao sul do país.
O prognóstico não é exatamente otimista. Segundo a Folha apurou, os enviados da ONU para a
questão estão apenas querendo
ganhar tempo até que seja definido um pacote de intervenção que
inclua forças multinacionais e
muito, muito dinheiro para a estabilização do país.
Ganhar tempo no caso significa
evitar que a Aliança do Norte, um
amontoado de facções rivais por
etnia ou orientação tribal, se dissolva e dê a oportunidade para
que o Taleban contra-ataque.
No curto período de tempo em
que a Folha está no Afeganistão
foi possível constatar a completa
fragmentação das forças que antes combatiam o Taleban sob as
ordens do carismático Ahmed
Shah Massoud.
O assassinato do líder em setembro abriu o apetite de facções
rivais. Não se pode andar dois
quarteirões em Cabul sem prestar
contas a um chefe militar que não
é exatamente amigo do vizinho.
Mais: a cúpula da Aliança, reunida no partido Jamiat-i-Islami,
está mostrando sinais de desunião séria. E também não há um
claro representante dos pashtus,
maior etnia afegã.
"Eu acho que o principal problema é unificar a posição pashtu
no Afeganistão. A Aliança do
Norte está dividida, mas o verdadeiro problema é descobrir quem
falará pelos pashtus. Até agora só
apareceram chefes locais e líderes
no exílio", disse ontem à Folha
em Cabul o paquistanês Ahmed
Rashid, um dos maiores especialistas em Taleban.
Muitos na Aliança desconfiam
da proximidade do chanceler Abdullah Abdullah com o Ocidente
-termo genérico que politicamente significa os EUA e, em menor medida, a Europa. Ele virou o
interlocutor predileto dos norte-americanos e também foi eleito
pela ONU como a cara a ser apresentada do "novo Afeganistão".
Emergindo como candidato a
alguma coisa, Abdullah começa a
tomar espaço do presidente deposto pelo Taleban em 1996, Burhanuddin Rabbani, que pertence
à linha dura do Jamiat-i-Islami.
Rabbani se opõe a uma influência
maior dos EUA, apesar de ter podido voltar a Cabul na esteira dos
"carpetes de bombas" lançados
por Washington sobre as posições do Taleban.
A conferência em Bonn é o primeiro sinal visível de predominância de uma vontade de Abdullah, aliada à do Ocidente, se sobrepondo à de Rabbani, que desejava uma reunião em Cabul.
Mas a bucólica cidadezinha, que
foi capital da Alemanha devido a
contingências da Guerra Fria,
tampouco será palco de uma reunião amigável. Uzbeques, tadjiques e hazaras, principais componentes da Aliança, não são majoritários no Afeganistão.
Somam juntos quase tanta gente quanto a maior etnia, a pashtu.
Só que os pashtus também estão
divididos: o exilado líder Pir Gailani deve ir a Bonn, por exemplo,
mas a forte facção dos pashtus do
leste afegão ainda é uma dúvida.
Baseados em Jalalabad, esses
pashtus não aceitam o poder da
Aliança e têm o apoio velado do
Paquistão -que tem forte minoria pashtu em seu oeste. Mas
pashtus do sul do país, que antes
eram aliados do Taleban, foram
anunciados para compor a mesa.
Ainda não sabendo exatamente
que papel lhe caberá, o ex-rei Mohammad Zahir Shah está representado na Alemanha. Na região
de Cabul e no leste afegão, o reinado do velho monarca, encerrado
em 73, é lembrado como uma
época de estabilidade. Definitivamente, Shah é popular em Cabul.
Mas, aos 86 anos, o ex-rei só pode ocupar uma função simbólica
numa sociedade de fortes tradições tribais, que sempre dá ouvido aos mais velhos. Nas ruas afegãs, basta um senhor de barbas
brancas dar uma ordem que todos os jovens presentes obedecem, sem reclamar.
A reunião será uma preliminar
da chamada Loya Jirga, nome do
conselho tribal que já foi emprestado, após Shah ter sido deposto
por um parente amigo de militares comunistas, para denominar
o Parlamento. A recente reunião
de líderes tribais pashtus baseados em Peshawar (Paquistão)
mostrou a viabilidade desse tipo
de assembléia nos dias de hoje
-quase nenhuma.
Falta também o Taleban. Ao ignorar totalmente a milícia, a reunião de Bonn faz uma aposta arriscada. Por um lado, os extremistas estão totalmente na retaguarda, confinados no sul do país e em
alguns bolsões. Por outro, uma
eventual desintegração da Aliança poderia estimular uma nova
guerra civil, lançando as bases para um movimento que prometa a
pacificação da terra, exatamente
como o Taleban fez, ainda que
utilizando o terror e a intolerância
como instrumentos. Uma versão
menos radical do Taleban, talvez,
poderia ganhar força aproveitando a estrutura militar da milícia.
Mas os cenários são imprevisíveis. Na noite de sexta, havia rumores em Cabul de que a conferência de Bonn poderia até estar
ameaçada. Isso seria um desastre
de relações públicas para a Aliança, para a ONU e para o Ocidente.
A situação é complicada, mas,
se deixarem os afegãos de mão
abanando como fizeram em 1989,
após a expulsão dos comunistas
pelos guerrilheiros islâmicos e o
colapso econômico da URSS, os
EUA correm o risco de ver novos
Taleban e Bin Laden surgindo na
região.
(IGOR GIELOW)
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