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SOCIEDADE
Enredo tinha cena de estupro em templo sagrado
Protestos de sikhs tiram de cartaz peça de teatro no Reino Unido
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
Membros da comunidade sikh
-palavra que significa disciplina
e faz referência ao sikhismo, religião fundada na Índia- no Reino
Unido tornaram-se o centro de
intenso debate sobre sensibilidade religiosa versus liberdade de
expressão. Depois de promoverem protestos violentos em frente
ao teatro Repertory, em Birmingham, acabaram provocando a
suspensão de uma peça que, segundo eles, era ofensiva à sua fé.
"Behzti", que significa desonra,
era uma produção pequena, mas
polêmica. Escrita pela jovem dramaturga Gurpreet Bhatti-ela
própria de origem sikh-, a peça
tratava de hipocrisia religiosa e,
em uma das suas cenas, mostrava
um estupro e assassinato em um
templo sagrado ("gurdwara").
O descontentamento da comunidade sikh era esperado. Mas
não os eventos que levaram ao
cancelamento da sessão de "Behzti". Depois de alguns dias de manifestações pacíficas, cerca de 400
sikhs se reuniram em frente ao
Repertory Theatre, conhecido como Rep, no sábado passado, e iniciaram um protesto que terminou
em violência, choque com a polícia e danos à estrutura do teatro.
Quase mil espectadores tiveram
de deixar às pressas o local, embora ninguém tenha saído ferido.
Para aumentar a polêmica, a autora da peça contou que estava recebendo ameaças de morte e resolveu se esconder. Na segunda
passada, a direção do teatro suspendeu em definitivo a produção.
O anúncio proporcionou alívio
aos sikhs e ira aos defensores do
direito à liberdade de expressão.
"A peça reunia todos os elementos do diabo, como vício em drogas, estupro e assassinato e os situava dentro do lugar mais sagrado para os sikhs. Por isso não me
espantaram os protestos", diz Indarjit Singh, editor do jornal
"Sikh Messenger", defensor da
suspensão da peça.
Mas no meio artístico houve
uma forte reação contrária à suspensão. Mais de 700 artistas assinaram uma carta aberta em apoio
à escritora sikh."Acho que não há
justificativa plausível para o ocorrido. A peça foi suspensa sob intimidação, criando um precedente
muito sério de ameaça à liberdade
de expressão", afirma Barry Hugill, porta-voz da ONG Liberty.
Comparações
O caso do teatro Rep tem sido
comparado às ameaças de morte
sofridas pelo escritor anglo-indiano Salman Rushdie, cujo livro
"Versos Satânicos", do final dos
anos 1980, provocou a ira dos muçulmanos e a condenação do novelista à morte pelo aiatolá Khomeini (1900-1989), então líder religioso e dirigente máximo do Irã.
Mas o evento mais recente que
tem suscitado comparações é o
assassinato do cineasta holandês
Theo van Gogh, em novembro. O
diretor foi morto após o lançamento do filme "Submission",
que criticava o Alcorão e o tratamento às mulheres muçulmanas.
A reação violenta dos sikhs parece não ter relação com problemas de segregação e alienação da
comunidade no Reino Unido."Ao
contrário dos muçulmanos no
país, que têm um histórico de baixas conquistas, os sikhs têm sido
bem-sucedidos política, econômica e socialmente", diz Shamit
Saggar, professor da Universidade Sussex que estuda estatísticas
de diferentes etnias do país.
Resta, então, segundo analistas,
a explicação da sensibilidade religiosa. Esse fenômeno, segundo
Gurharpal Singh, professor de estudos inter-religiosos na Universidade Birmingham, é conseqüência de uma crescente politização das religiões.
"As religiões têm se tornado cada vez mais politizadas, usadas
para mobilização de votos e fins
políticos. O problema é que,
quando você dá à religião um caráter de espaço público, tem de se
abrir também às críticas públicas", afirma o especialista.
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