São Paulo, sábado, 25 de dezembro de 2004

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SOCIEDADE

Enredo tinha cena de estupro em templo sagrado

Protestos de sikhs tiram de cartaz peça de teatro no Reino Unido

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

Membros da comunidade sikh -palavra que significa disciplina e faz referência ao sikhismo, religião fundada na Índia- no Reino Unido tornaram-se o centro de intenso debate sobre sensibilidade religiosa versus liberdade de expressão. Depois de promoverem protestos violentos em frente ao teatro Repertory, em Birmingham, acabaram provocando a suspensão de uma peça que, segundo eles, era ofensiva à sua fé.
"Behzti", que significa desonra, era uma produção pequena, mas polêmica. Escrita pela jovem dramaturga Gurpreet Bhatti-ela própria de origem sikh-, a peça tratava de hipocrisia religiosa e, em uma das suas cenas, mostrava um estupro e assassinato em um templo sagrado ("gurdwara").
O descontentamento da comunidade sikh era esperado. Mas não os eventos que levaram ao cancelamento da sessão de "Behzti". Depois de alguns dias de manifestações pacíficas, cerca de 400 sikhs se reuniram em frente ao Repertory Theatre, conhecido como Rep, no sábado passado, e iniciaram um protesto que terminou em violência, choque com a polícia e danos à estrutura do teatro. Quase mil espectadores tiveram de deixar às pressas o local, embora ninguém tenha saído ferido.
Para aumentar a polêmica, a autora da peça contou que estava recebendo ameaças de morte e resolveu se esconder. Na segunda passada, a direção do teatro suspendeu em definitivo a produção.
O anúncio proporcionou alívio aos sikhs e ira aos defensores do direito à liberdade de expressão.
"A peça reunia todos os elementos do diabo, como vício em drogas, estupro e assassinato e os situava dentro do lugar mais sagrado para os sikhs. Por isso não me espantaram os protestos", diz Indarjit Singh, editor do jornal "Sikh Messenger", defensor da suspensão da peça.
Mas no meio artístico houve uma forte reação contrária à suspensão. Mais de 700 artistas assinaram uma carta aberta em apoio à escritora sikh."Acho que não há justificativa plausível para o ocorrido. A peça foi suspensa sob intimidação, criando um precedente muito sério de ameaça à liberdade de expressão", afirma Barry Hugill, porta-voz da ONG Liberty.

Comparações
O caso do teatro Rep tem sido comparado às ameaças de morte sofridas pelo escritor anglo-indiano Salman Rushdie, cujo livro "Versos Satânicos", do final dos anos 1980, provocou a ira dos muçulmanos e a condenação do novelista à morte pelo aiatolá Khomeini (1900-1989), então líder religioso e dirigente máximo do Irã.
Mas o evento mais recente que tem suscitado comparações é o assassinato do cineasta holandês Theo van Gogh, em novembro. O diretor foi morto após o lançamento do filme "Submission", que criticava o Alcorão e o tratamento às mulheres muçulmanas.
A reação violenta dos sikhs parece não ter relação com problemas de segregação e alienação da comunidade no Reino Unido."Ao contrário dos muçulmanos no país, que têm um histórico de baixas conquistas, os sikhs têm sido bem-sucedidos política, econômica e socialmente", diz Shamit Saggar, professor da Universidade Sussex que estuda estatísticas de diferentes etnias do país.
Resta, então, segundo analistas, a explicação da sensibilidade religiosa. Esse fenômeno, segundo Gurharpal Singh, professor de estudos inter-religiosos na Universidade Birmingham, é conseqüência de uma crescente politização das religiões.
"As religiões têm se tornado cada vez mais politizadas, usadas para mobilização de votos e fins políticos. O problema é que, quando você dá à religião um caráter de espaço público, tem de se abrir também às críticas públicas", afirma o especialista.


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