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VIZINHO EM CRISE
Texto constitucional impreciso gera interpretações enviesadas a respeito da consulta sobre o mandato de Chávez
Referendo amplia confronto venezuelano
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
A batalha em torno do referendo sobre o mandato do presidente Hugo Chávez, demandado pela oposição e cujos preparativos foram suspensos na quarta-feira,
por ordem da Suprema Corte, é o
mais claro exemplo das disputas
dogmáticas, carentes de qualquer
lógica, em que qualquer questão é
transformada hoje na Venezuela.
Enquanto a oposição exige a
realização do referendo, para o
qual recolheu 1,5 milhão de assinaturas, com base em seus "irrefutáveis" argumentos jurídicos, o
governo, também com seus "irrefutáveis" argumentos, o classifica
de inconstitucional.
Quem tem razão? Tudo é uma
questão de interpretação do texto
da Constituição, redigida em 1999
por uma Assembléia Constituinte
amplamente controlada por Chávez. Então bastante popular, o
presidente estimulou o recurso
do referendo para, segundo ele,
"governar com o povo". Mas o
texto é em muitos pontos impreciso, o que pode dar margem a diferentes interpretações.
A Carta estabelece, em seus artigos 71, 72, 73 e 74, quatro tipos diferentes de referendos: consultivo, sobre temas de interesse nacional em geral; revogatório, para
revogar mandatos eletivos; aprobatório, para aprovar leis; e ab-rogatório, para revogar leis.
Abaixo-assinado
Sob o argumento de que qualquer tema de interesse nacional
pode ser tópico de um referendo
consultivo, a oposição iniciou no
ano passado uma coleta de assinaturas para uma consulta a respeito da manutenção do presidente no poder.
De acordo com a Constituição,
o referendo consultivo pode ser
convocado por iniciativa do presidente, pela maioria da Assembléia Nacional -onde Chávez
hoje tem uma pequena maioria-
ou por solicitação de ao menos
10% do eleitorado (1,2 milhão de
pessoas). Apesar do nome, a Carta não diz se o governo é obrigado
a acatar seu resultado.
A pergunta proposta pela oposição para o referendo consultivo
foi: "Você está de acordo em solicitar ao presidente Hugo Chávez
que renuncie voluntariamente ao
seu cargo de maneira imediata?"
Os chavistas alegam que a pergunta tem caráter revogatório e,
por isso, dizem que ele seria ilegal
antes da metade do mandato presidencial, em agosto. "Um referendo consultivo é somente um
levantamento da opinião popular, sem caráter obrigatório", afirma o advogado constitucionalista
Carlos Escarrá Malavé, ex-constituinte e juiz da Suprema Corte entre 1999 e 2000. "O que queriam
era contrabandear uma questão
revogatória em um referendo
consultivo", argumenta.
Um referendo revogatório, no
caso, teria de ser convocado por
solicitação de ao menos 20% dos
eleitores (2,4 milhões de pessoas).
Além disso, sua convocação só
pode ocorrer a partir da metade
do mandato do funcionário -no
caso de Chávez, em agosto.
A maioria da oposição afirma
que uma derrota de Chávez num
referendo consultivo o enfraqueceria tanto que inviabilizaria seu
governo, mas outros oposicionistas dizem que a derrota deveria
obrigá-lo a renunciar.
"O referendo consultivo pode
ter como tema qualquer questão
de interesse nacional e deve ter
seu resultado obedecido pelo governo, porque, senão, seria como
institucionalizar uma pesquisa de
opinião", diz o constitucionalista
Hermann Escarrá Malavé.
Ex-chavista e ex-constituinte,
Hermann é assessor da Coordenação Democrática (CD), associação de partidos e organizações
de oposição. Ele é também irmão
de Carlos Escarrá-uma indicação de que as paixões políticas na
Venezuela são mais fortes até
mesmo que os laços familiares.
Cinco Poderes
A proposta da oposição de realizar um referendo consultivo, após
a entrega das assinaturas suficientes, foi acatada em novembro pelo
CNE (Conselho Nacional Eleitoral) -um dos cinco Poderes previstos pela nova Constituição venezuelana, que agregou o Poder
Eleitoral e o Poder Cidadão aos
três Poderes tradicionais.
O CNE considerou que a pergunta formulada pela oposição
não configurava uma consulta revogatória, mas consultiva, e que,
assim, ela poderia ocorrer.
O CNE marcou o referendo para o dia 2 de fevereiro e iniciou os
preparativos para a votação, mas,
no mesmo dia, a Suprema Corte
concedeu liminar contra a decisão do conselho.
A decisão da Justiça não contestava a legalidade do referendo em
si, mas a presença, entre os conselheiros do CNE, de um ex-suplente que havia renunciado anteriormente ao mandato para se juntar
à Coordenação Democrática
-parte interessada no processo.
O mesmo argumento foi usado
pela Suprema Corte na semana
passada para ordenar a suspensão
dos preparativos para o referendo. O CNE havia continuado os
preparativos para a votação, apesar da liminar do Supremo, argumentando que ela feria a independência entre os Poderes.
Xeque-mate
Com a provável impossibilidade
de realizar o referendo no dia 2,
como já admitem os adversários
de Chávez, a oposição planeja um
lance mais audaz, que poderia significar o fim precoce do mandato
do presidente: a convocação de
uma nova Assembléia Constituinte, por um abaixo-assinado
popular. A Constituição diz que a
convocação de uma Assembléia
Constituinte pode ser feita pelo
presidente, pela Assembléia Nacional, pelas Câmaras Municipais
ou por 15% dos eleitores.
O deputado Andrés Velásquez,
do partido de esquerda Causa R e
porta-voz da CD, disse na sexta-feira que a convocação de uma
Constituinte por iniciativa popular seria "um xeque-mate constitucional e democrático" em Chávez. A Constituinte teria o poder
de revogar o mandato do atual
presidente e de estabelecer um
governo de transição até a realização de novas eleições gerais.
Mas, na Venezuela polarizada
de Chávez, parece mais plausível
que a solução para o impasse
atual venha de algum acordo entre as partes mediado por terceiros, não de uma ação unilateral.
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