São Paulo, terça-feira, 26 de janeiro de 2010

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HAITI EM RUÍNAS

Desabrigados resistem a abandonar Porto Príncipe

Parte dos refugiados teme que abrigo temporário dificulte o recomeço da vida

Em contrapartida, 235 mil pessoas deixaram a capital haitiana, e governo quer abrigar 400 mil cidadãos em acampamentos periféricos


FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

Com as buscas por sobreviventes praticamente encerradas e o foco mudando para o reassentamento dos desabrigados, o Haiti e a ONU têm de enfrentar a ira de pessoas como o padre vodu Dessaiville Espady.
"Não vou sair daqui para um lugar que nem sei onde fica!", diz, exaltado, o morador de uma tenda numa praça em Delmas 2, bairro central de Porto Príncipe.
Duas semanas após o terremoto, há milhares de desabrigados tomando as praças da capital haitiana. Ontem, o governo disse querer realocar nesta semana ao menos 400 mil sobreviventes em acampamentos na periferia da cidade. Mas a ideia de se mudar desagrada mesmo a quem passa o dia em ruas imundas.
O medo é que não seja um alívio temporário, mas uma mudança definitiva de endereço, longe de empregos e da possibilidade de recomeçar a vida.
Em muitos casos, residências e negócios não desabaram, mas racharam. Muitos querem dinheiro para reconstruir seus imóveis. "O governo deveria nos dar recursos e parar de enrolar tanto", diz Marie Charlie Espadiee, que mora com o marido e duas crianças numa tenda em Delmas.
As estimativas da ONU são que 1 milhão de pessoas ficaram desabrigadas no Haiti, e 700 mil delas estão vivendo nas ruas de Porto Príncipe (que tinha 2 milhões de habitantes antes do terremoto). Cerca de 30 mil casas, a maioria no centro da capital haitiana, ficaram completamente destruídas, e um número indefinido está comprometido.
Áreas nas cercanias de Porto Príncipe estão sendo identificadas para a construção de acampamentos com estrutura um pouco melhor, incluindo luz, saneamento, creches e postos de saúde. Financiado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o primeiro está sendo feito pelo Exército brasileiro em Croix des Bouquets, a 30 km do centro -mais de duas horas de distância no trânsito travado da cidade.
Segundo o plano do governo, as primeiras famílias seriam removidas nos próximos dias. No futuro, os acampamentos se transformariam em bairros residenciais, ao redor dos quais se formariam zonas comerciais e industriais, mudando o planejamento urbano da capital e descongestionando o centro.
Mas é um projeto para décadas, que não é suficiente para acalmar os nervos de uma população traumatizada. "Croix des Bouquets vai ser longe demais para mim. Aqui é onde vivi minha vida inteira", diz Jesimene Desir, desabrigada que vende pão numa praça perto do palácio presidencial.
Ir para um lugar afastado não agrada a ninguém, mas é possível identificar algumas nuances entre os desabrigados. Quem estava estabelecido, tocando algum negócio, reage de maneira irada ao plano do governo.
Mas quem tinha uma vida sem estabilidade ou residência fixa se mostra mais maleável. "O mais importante é sair daqui", diz Jeanne Jerisela, que morava de favor com uma tia.
Jonas Pierre, que fazia bicos como motorista, também aceitaria o sacrifício. "Consigo emprego em qualquer lugar", diz.
Segundo o governo, mais de 235 mil pessoas já deixaram Porto Príncipe num programa estatal de transporte gratuito.
A estimativa -incerta- de mortos no terremoto permanecia ontem em 150 mil, cifra que poderia chegar a 200 mil com os cadáveres sob os escombros.

Policiais europeus
Em meio a críticas por prestar um auxílio tímido ao Haiti, a União Europeia anunciou ontem o envio de cerca de 300 policiais -de países como França, Holanda, Itália e Espanha- para ajudar a ONU na distribuição da ajuda humanitária e na segurança do Haiti. A UE também montará, em Bruxelas, um escritório para coordenar a ajuda ao país.
Ainda em Bruxelas, a Comissão Europeia pediu aos Estados-membros da UE "prudência" na hora de acelerar a adoção de órfãos haitianos, já que a situação familiar de muitos deles ainda é desconhecida. Grupos humanitários dizem que os órfãos do terremoto estão sob perigo crescente de tráfico humano e adoção ilegal.


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