São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO

Bush atenta contra espírito da Constituição

DO "NEW YORK TIMES"

O texto a seguir foi publicado como editorial na edição de ontem do "New York Times".
 
Com sua campanha de reeleição mal iniciada e sua base conservadora já exigindo serviço, o presidente Bush se propõe a reescrever a Constituição radicalmente. A emenda para a qual anunciou seu apoio não apenas impediria que casais gays se casassem, como ele afirma, mas também colocaria em risco as proteções legais básicas conquistadas pelos gays americanos nos últimos anos. Ela injetaria mesquinharia e exclusão no documento que incorpora nossos mais altos princípios e aspirações.
Se Bush tivesse agido como presidente, e não como candidato, teria procurado guiar o país na questão divisória dos direitos dos gays. Em todo o país, discute-se se os gays deveriam ser autorizados a se casar, a ter uniões civis, a adotar filhos, a visitar seus parceiros em hospitais e a ser livres de discriminação no trabalho. Com a exceção de uma frase sobre proceder com "bondade, decência e boa vontade", o discurso do presidente foi um chamado pela anulação dos direitos dos gays.
A falta de disposição de Bush de falar sobre os direitos dos gays é significativa em vista da maneira como foi formulada a Emenda Federal sobre o Casamento que se encontra pendente no Congresso. A emenda pede que seja negado o direito de casais formados por pessoas do mesmo sexo não apenas ao casamento, mas também a seus "incidentes legais". Ela poderia muito bem ser usada para negar aos casais gays até mesmo benefícios econômicos, que hoje lhes são amplamente reconhecidos por cidades, Estados e empresas. Essa emenda pode representar um retrocesso radical nos direitos de milhões de americanos.
Nas observações que fez ontem, o presidente Bush tentou criar uma sensação de crise. Ele falou do reconhecimento do casamento gay pela mais alta corte de Massachusetts, da decisão tomada por San Francisco de conceder licenças de casamento a casais gays e ao fato de um condado do Novo México ter feito a mesma coisa.
Ele não disse que o governo do Novo México concluiu que o casamento gay viola as leis estaduais, que o governo da Califórnia pediu à Suprema Corte estadual que revisse as ações de San Francisco, nem que Massachusetts pode emendar sua Constituição para vetar o casamento gay. Antes de recorrer a uma emenda constitucional, o presidente, que acredita tão profundamente nos direitos dos Estados em outros contextos, deveria deixar que os Estados resolvessem suas leis sobre o casamento.
A Constituição recebeu emendas ao longo dos anos para oferecer cidadania mais plena às mulheres, aos negros e aos jovens. A emenda do presidente Bush seria a primeira a ser adotada para estigmatizar e excluir um setor da população americana. As pesquisas de opinião indicam que, embora a maioria dos americanos possa ser contra o casamento de homossexuais, muitos prefeririam deixar que os Estados resolvessem a questão, em lugar de adotar uma emenda constitucional. Eles compreendem algo que o presidente Bush não entendeu: que a Constituição é importante demais para ser dobrada, manipulada ou mutilada com vista a vantagens políticas.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Educação: Bolsa para religiosos é vetada nos EUA
Próximo Texto: Minoria: Kerry diz que Bush usa casamento gay para desviar debate eleitoral
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.