São Paulo, terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

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Visando eleição, Putin dá a Medvedev missão popular na Sérvia

A seis dias do pleito, candidato do presidente russo a sucedê-lo vai a Belgrado para marcar posição contra secessão de Kosovo

Para analistas, posição de Moscou sobre ex-Província de aliado eslavo tem apelo entre o eleitorado, mas não deve ir além de retórica

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

Na esperança de alavancar a imagem do virtual novo presidente russo, Dmitri Medvedev, o Kremlin o enviou em uma missão extremamente popular entre o eleitorado: defender os interesses dos "irmãos eslavos" da Sérvia no conflito contra a independência de Kosovo.
Medvedev, ainda na condição de vice-premiê, esteve ontem em Belgrado para fechar um acordo energético com o governo sérvio. E para falar da Província rebelde que foi reconhecida como Estado pelos EUA e boa parte da União Européia: "Nós partimos da premissa de que a Sérvia é um país unido, cuja jurisdição cobre todo seu território, e vamos nos ater a esse princípio", afirmou após se encontrar com o premiê sérvio, Vojislav Kostunica.
"Isso mostra que vamos continuar falando grosso, o que não significa que algo vai acontecer de fato. De quebra, o eleitorado vai gostar de ver isso no noticiário da noite", afirmou à Folha Boris Leonov, um analista político de Moscou.
De fato, na morna campanha eleitoral russa, desta vez com cara de plebiscito, Kosovo é um dos poucos temas de apelo popular. Ontem, uma concentração de jovens do partido do Kremlin, o Rússia Unida, estava junto à estação de metrô 1905 Goda. Fumavam e tomavam cerveja, aproveitando o feriado prolongado do Dia do Defensor da Pátria. "Kosovo é terra sérvia. Nós devemos fazer algo", diz Oleg, 20 e poucos anos.
Mas, lembra Leonov, não é de se esperar mais do que retórica e tentativas de ação na ONU via Conselho de Segurança. "Já nos metemos numa fria por causa dos sérvios, o que custou um império", diz, exagerando o fato de que a Rússia imperial entrou na Primeira Guerra, entre outros, por estar atada à Sérvia por tratados militares -o conflito culminou na Revolução Comunista.
Medvedev, que tem cerca de 70% das intenções de voto em pesquisas, estava acompanhado do chanceler Sergei Lavrov. Em entrevista à TV Rússia, Lavrov foi mais incisivo: "Apoiamos a restauração da integridade territorial da Sérvia".
A eleição de Medvedev, que nunca disputou uma votação e tem só 42 anos, é vista como uma certeza desde que ele foi escolhido pelo ultrapopular Vladimir Putin para concorrer à sua sucessão -e, imediatamente, já anunciou que Putin seria seu premiê, mantendo, portanto, as rédeas do poder.
Mas o Kremlin quer legitimar a escolha. Logo, há uma intensa campanha por comparecimento às urnas (o voto é facultativo), e Medvedev está sendo preparado pelo chefe para representar a Rússia. Na semana passada, ele esteve com Putin na cúpula das ex-repúblicas soviéticas e, segundo uma jornalista que esteve presente, não convenceu muito os autocratas da Ásia Central.
Analistas como Leonov vêem nisso outro aspecto: Putin quer um sucessor à sua sombra, porque tradicionalmente o poder russo emana do Kremlin. Se Medvedev, tido também como inteligente e estrategista, vai aceitar o jogo, é algo a conferir.


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