São Paulo, quinta, 26 de fevereiro de 1998

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IRAQUE
País evita "hegemonia americana'
Embargo cai este ano, prevê editor

SÉRGIO MALBERGIER
enviado especial a Bagdá

A imprensa iraquiana está tentando vender à população que o Iraque saiu vitorioso do impasse com a ONU. Segundo os jornais locais, os EUA e o Reino Unido ficaram isolados na crise, enquanto aumentou o apoio estrangeiro à causa iraquiana.
O acordo seria o primeiro passo para o levantamento do embargo que dura quase oito anos e que destruiu a economia iraquiana.
Salah al Mukhtar, 53, é o editor-chefe do "Al Jumhuria" (A República), o principal jornal iraquiano, de propriedade do governo. Falando em tom pomposo e olhando para o vazio, suas opiniões refletem a mensagem que o regime de Saddam Hussein quer passar ao mundo e aos iraquianos.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Folha na sede do jornal.

Folha - Como o sr. vê o acordo ONU-Iraque?
Al Mukhtar -
Se você olhar para as reações internacionais, árabes e da própria ONU, nós podemos dizer que é um grande sucesso para a paz e para a legitimidade internacional.
Mas para garantir a sua implementação, nós precisamos da cooperação americana. Se os EUA cooperarem de boa fé haverá uma saída pacífica para a crise e evitaremos uma grande guerra, que não afetaria apenas o Oriente Médio, mas certamente todo o mundo -uma guerra que não teria justificação alguma, apenas as mentiras fabricadas pelos EUA e por Richard Butler (chefe das equipes de inspeção da ONU).
Agora, nós estamos desafiando o governo dos EUA a aceitar e respeitar o acordo. Para facilitar o trabalho da ONU, estamos dispostos a receber as equipes de inspeção o mais cedo possível.
Que elas venham verificar os "palácios presidenciais", para ficar claro que os EUA falaram grandes mentiras quando disseram que o Iraque guardava armas de destruição em massa neles, capazes de destruir o mundo todo.
Folha - O sr. acha que foi uma vitória do presidente Saddam?
Al Mukhtar -
Foi uma vitória da paz, da liberdade, da independência de toda a humanidade, não só do Iraque. O mundo estava caminhando para uma ditadura americana mundial, cristalizada pela atitude americana. Eles dizem abertamente que querem controlar o mundo todo. A América quer impor ao mundo a sua cultura, o seu modo de vida, a economia de mercado no estilo americano, o que é um novo colonialismo.
O Iraque, por meio de sua resistência à hegemonia americana, ao expor a verdadeira natureza do projeto neocolonialista, ajudou a humanidade a evitar uma ditadura mundial.
Folha - E Saddam Hussein?
Al Mukhtar -
O presidente Saddam Hussein está liderando o seu país numa guerra de libertação. Não é uma rivalidade entre os presidentes Saddam Hussein e Bill Clinton.
E o presidente (Saddam) recebeu agora apoio de várias partes porque ele está representando uma causa nobre que tem o apoio de todos os árabes e de todos os muçulmanos. Todas as pessoas amantes da liberdade estão começando a compreender que o presidente luta por essa causa. Por isso vemos agora essas manifestações de apoio ao Iraque em quase toda parte.
Folha - Sendo um jornal oficial, o "Al Jumhuria" faz críticas ao regime?
Al Mukhtar -
Claro. Nós podemos criticar qualquer ministro ou funcionário quando eles cometem algum erro.
Folha - Que futuro o sr. vê para o Iraque?
Al Mukhtar -
Este ano nós testemunharemos a suspensão das sanções. É o último estágio de nossa luta para suspender o embargo. Simplesmente porque quando a ONU for aos "palácios presidenciais", descobrirá que não há nada, e o Conselho de Segurança tomará a decisão de suspender o embargo, pelo menos parcialmente.
Folha - Há espaço para a oposição ao regime na imprensa iraquiana?
Al Mukhtar -
Acho que não podemos descrever nenhum jornal iraquiano como de oposição, pois no Iraque, durante a guerra, todo o povo deve estar unido para defender a pátria. Nosso maior problema é o embargo. Nenhum cidadão iraquiano deve poder detonar uma crise por um assunto menor.
Nós temos grupos religiosos, nasseristas, curdos, que estão se preparando para estabelecer novos partidos. De acordo com uma nova lei, todo grupo de mais de 150 pessoas pode estabelecer um partido e, com isso, ter direito a um jornal para expressar suas opiniões.
Folha - Quando foi a última vez que o sr. encontrou o presidente?
Al Mukhtar -
Há dois anos. Conversamos sobre jornalismo e assuntos políticos.



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