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ANÁLISE
A ética do aperto de mão com um tirano
DO "INDEPENDENT"
A coisa mais estranha a respeito
da viagem do primeiro-ministro
Tony Blair à Líbia é por que ele
achou que deveria ir. Depois do
encontro com o líder mais excêntrico e imprevisível do mundo
árabe, Blair descreveu a ocasião
como "extraordinária".
E realmente é: a primeira visita
de um líder britânico desde a derrubada da família real há mais de
30 anos -e mais ainda pelo reconhecimento da Líbia de sua responsabilidade na morte da policial Yvonne Fletcher (assassinada
com um tiro em frente à Embaixada Líbia em Londres em 1984) e
na derrubada do avião da Pan Am
em Lockerbie (1988).
Blair tem razão ao argumentar
que há motivos para celebrar o arrependimento de um pecador.
Por mais desagradável que seja às
famílias dos assassinados, um
reatamento e uma reconciliação
com a Líbia que levem à admissão
de culpa e à indenização é melhor
do que o prolongamento do isolamento do país norte-africano.
Também pode-se aceitar parte
da justificativa do premiê de que,
na crise atual do terror, é melhor
ter Estados delinqüentes do seu
lado do que contra si. Se o programa nuclear da Líbia era avançado,
ou ao menos sério, é um ponto
controverso. Faz muito tempo,
também, que Gaddafi esteve ativamente engajado no apoio a grupos terroristas na Europa. Contudo o simbolismo de sua renúncia
pública ao terrorismo e às armas
de destruição em massa não devem ser menosprezados.
Igualmente, porém, não deve
ser menosprezado o simbolismo
de um primeiro-ministro britânico pegar um avião para apertar a
mão cheia de sangue de um ditador. Trata-se de um homem que
ainda prende seus opositores e
busca relações próximas com alguns dos mais desagradáveis e
destrutivos regimes da África. O
número de pessoas presas e torturadas, considerando-se as dimensões e a população pequenas do
país, coloca Gaddafi bem perto do
topo dos regimes repressivos.
Ainda assim, nem uma palavra
sobre isso foi dita pelo primeiro-ministro, ou sua comitiva, antes
ou durante a viagem a Trípoli.
Sim, estávamos certos em fazer
um acordo com um país ansioso
em sair das sombras. Manter relações é mais produtivo do que invadir, como argumentamos não
apenas em relação à Líbia, mas
também nos casos do Irã e da Coréia do Norte. Mas por que ir tão
longe com esse aperto de mão
simbólico em um acordo que já
havia sido selado também com
França e Estados Unidos? Depois
de mandar um assistente do ministro no ano passado, o passo seguinte deveria ter sido enviar o
ministro das Relações Exteriores.
É para isso que ele existe.
A resposta, mais uma vez, está
na crescente atitude defensiva de
Tony Blair em relação à invasão
do Iraque. Ele precisava dessa
oportunidade de atrair câmeras e
microfones para mostrar que a
derrubada do Iraque rendeu dividendos no Oriente Médio, que era
capaz tanto de negociar quanto de
fazer guerra, e que ainda é um
protagonista no cenário mundial.
Infelizmente, a mensagem que
circulará pelo Oriente Médio e
que chegará ao Reino Unido é
bastante diferente. A mensagem
será a de que no novo mundo do
terror estamos abandonando
aquelas preocupações éticas que o
primeiro-ministro tão orgulhosamente apregoou quando assumiu
o poder e que vive repetindo serem as razões pelas quais o Iraque
foi invadido.
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