São Paulo, domingo, 26 de março de 2006

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ORIENTE MÉDIO

Campanha morna e vitória quase certa do sucessor de Ariel Sharon marcam pleito com ares de referendo

Apatia esconde eleições cruciais em Israel

MICHEL GAWENDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE TEL AVIV

Sob a sombra de Ariel Sharon, primeiro-ministro que está em coma desde 4 de janeiro, Israel prepara-se para eleger um governo que promete impor as fronteiras definitivas entre o país e os vizinhos palestinos nos próximos quatro anos.
O Kadima, criado por Sharon, tem maioria nas pesquisas e promete tornar-se o partido da estabilidade seguindo os passos históricos do ex-general.
O resultado previsível e um certo cansaço com sucessivas eleições tornaram a campanha deste ano morna, sob o temor de que o índice de votação não passe de 65%, considerado baixo num país explosivamente politizado como Israel. Será a terceira eleição em cinco anos. Desde a fundação, em 1948, o país teve 31 governos. Só dois completaram os mandatos.
A apatia, no entanto, não condiz com a importância do que está em jogo, uma conjunção de circunstâncias políticas que dão ares de referendo à votação. Sete meses após deixar a faixa de Gaza e fazer a maior retirada territorial de sua história e dois meses depois de ver o lendário premiê Ariel Sharon ser retirado de cena por um derrame, Israel decide nas urnas temas cruciais para a estabilidade da região, como a definição de suas fronteiras e a relação com o governo palestino, controlado pelo grupo terrorista Hamas.
O premiê interino e líder da legenda, Ehud Olmert, considera a eleição da próxima terça-feira vencida, mesmo com a queda nas pesquisas. E já afirmou: só aceitará parceiros de coalizão que concordem com seu plano de governo, que prevê retirar assentamentos da Cisjordânia, anexar blocos de colônias judaicas no território palestino e ignorar o governo controlado pelo Hamas.
O Kadima chegou a ter 44 das 120 cadeiras do Parlamento nas sondagens, mas nos últimos dias caiu para um número entre 36 e 38. Em seguida vêm o Partido Trabalhista, com cerca de 19, e o Likud, do ex-primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, com 14. Por fim aparecem partidos religiosos, de esquerda e árabes.
O principal argumento do Kadima é o de que não há com quem negociar no lado palestino, já que o Hamas é um grupo terrorista que não reconhece Israel nem os acordos de paz assinados.
"O Hamas é um grupo fanático religioso que vive fora da realidade. Ele não tem condições de governar por portar-se de maneira antidemocrática e sem lógica. Partidos religiosos não fazem acordos", disse o veterano Shimon Peres, número 2 da chapa eleitoral do Kadima.
"Estamos dispostos a negociar com Mahmoud Abbas (presidente palestino). O problema é o nível de autoridade que ele terá", disse Peres. "Líderes que têm uma dissidência armada estão em péssima situação."
Os trabalhistas, do ex-líder sindical Amir Peretz, são possíveis parceiros do Kadima. Sua condição é o aumento do salário mínimo, de US$ 750, para US$ 1.000 e mais benefícios sociais. Rejeitam entrar no governo ao lado de partidos de direita belicistas e que defendam a expulsão de árabes, como o Israel Beiteinu (Israel Nossa Casa), do líder Avigdor Liberman.
"Vamos lutar sem descanso contra o terrorismo. Mas não vamos deixar que ações militares sejam parte das nossas decisões políticas", disse Peretz. "As fronteiras definitivas devem ser definidas somente em bases morais."
A posição de unilateralismo também inibe o Meretz, partido secular de esquerda que pode eleger dez deputados, a entrar em uma coalizão com o Kadima. "A solução unilateral é péssima, mesmo sendo melhor do que continuar nos territórios palestinos. Primeiro temos de tentar negociar. E não sabemos se o Kadima é mesmo sério nas suas propostas de retirada", disse o líder da legenda, Iossi Beilin.
Entre os árabes, que são 20% dos 6,7 milhões de habitantes de Israel, o sentimento é de que não há diferença entre a direita e a esquerda. "Todos os partidos sionistas são iguais. Somos discriminados desde a criação de Israel, não temos os mesmos direitos dos judeus. Nossas cidades, escolas e hospitais têm menos verba e nossa educação é controlada pelo Estado", disse Khalil Joabri, candidato a deputado na cidade de Um el Fahm.
Além do plano unilateral, durante a campanha o Kadima apresentou-se como o partido capaz de dar estabilidade a Israel e dar seguimento às idéias de Sharon de garantir maioria judaica da população através da retirada da Cisjordânia. "Israel já mostrou ao mundo que não se rende ao terrorismo. E agora podemos fazer uma mudança histórica e dar estabilidade ao país", afirmou o ministro da Defesa e candidato a deputado do Kadima, Shaul Mofaz.

Campanha sonolenta
Nas ruas, a campanha vem sendo sonolenta. Somente na última semana apareceram cartazes e ativistas distribuindo material dos candidatos. Em Israel não há cultura de debates entre candidatos na televisão; a discussão ficou centrada em fóruns na internet.
São 31 partidos concorrendo. O Exército e a polícia já estão em alerta e 22 mil homens vão vigiar as ruas e as seções eleitorais. Estão registrados 5.014.522 eleitores.


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