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São Paulo, sábado, 26 de abril de 2003

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IRAQUE OCUPADO

Declaração ocorreria em porta-aviões na quinta; em entrevista à TV NBC, presidente diz esperar encontrar armas

Bush deve anunciar fim de fase militar


Agora podemos lidar mais efetivamente com as armas de destruição em massa, já deixamos claro que quem as armazenar terá o tratamento que merece


DA REDAÇÃO

O presidente dos EUA, George W. Bush, pode finalmente decretar o fim da campanha militar no Iraque na semana que vem, informaram altos funcionários da Casa Branca. O anúncio estaria planejado para acontecer na próxima quinta, quando está previsto o retorno do porta-aviões Abraham Lincoln, que está no golfo Pérsico.
Segundo esses funcionários, que falaram na condição de anonimato, o teor do discurso, ainda não escrito, dependerá das informações repassadas a Bush nos próximos dias pelo comandante da guerra no Iraque, o general Tommy Franks.
Apesar de ainda não ter decretado o fim da guerra, já se passaram 17 dias desde a tomada definitiva de Bagdá pelas tropas da coalizão anglo-americana, quando uma imensa estátua do ex-ditador Saddam Hussein foi derrubada.
O presidente americano, no entanto, não pretende decretar a vitória definitiva porque a coalizão até agora não completou missões-chave, principalmente a localização de armas de destruição em massa, a criação de um governo interino e a confirmação do paradeiro de Saddam.
Em entrevista à TV americana NBC, anteontem, Bush admitiu pela primeira vez que as armas de destruição em massa podem ter sido destruídas pelo Iraque. Ele também disse acreditar que Saddam esteja "no mínimo, gravemente ferido". Em momento de descontração, disse que o ex-ministro da Informação iraquiano Mohammed Said al Sahaf, porta-voz do regime em seus últimos dias, "era demais". Leia trechos da entrevista concedida ao âncora da NBC Tom Brokaw.
 

Pergunta - Antes de partirmos para a guerra contra o Iraque, uma das justificativas que o sr. dava para ela era a de que Saddam representava uma ameaça real aos EUA. Já que ele não foi capaz sequer de defender seu próprio país -e como ainda não conseguimos encontrar as armas de destruição em massa, que não foram usadas sequer em defesa do Iraque- , essa afirmação não terá sido exagerada?
George W. Bush -
Não, de maneira alguma. Na realidade, acho que o tempo e as investigações vão comprovar alguns pontos. Um deles é que Saddam tinha, sim, conexões terroristas. O segundo é que ele tinha um programa de armas de destruição em massa -sabemos que ele tinha. E, agora, também sabemos que ele não vai usá-las. Assim, alcançamos um de nossos objetivos, que era fazer com que Saddam Hussein não pudesse golpear os EUA ou nossos amigos ou aliados com armas de destruição em massa.
Em segundo lugar, estamos descobrindo mais à medida que interrogamos ou conversamos com cientistas iraquianos e pessoas que faziam parte da estrutura iraquiana. Já sabemos que talvez ele tenha destruído algumas das armas, talvez tenha espalhado outras. Sabemos também que existem centenas de locais possíveis para esconder as armas, coisa que ele fez durante dez anos -ele as escondeu das Nações Unidas por dez anos. Até agora, examinamos apenas cerca de 90 desses locais. São literalmente centenas de locais. Vamos encontrá-las, mas isso levará tempo. E a melhor maneira de encontrá-las é continuar a obter informações dos iraquianos que tomaram parte no trabalho de esconder as armas.

Pergunta - Por que não incluir alguns dos inspetores da ONU nesse trabalho -não entregá-lo a eles, mas fazer com que eles participem? Isso ajudaria a dar credibilidade, o sr. não acha?
Bush -
Acho que haverá ceticismo até que as pessoas descubram que houve, de fato, um programa de armas de destruição em massa. Uma coisa sobre a qual não pode haver ceticismo é o fato de que esse sujeito foi brutal e torturou o povo iraquiano. Quero dizer que ele brutalizava as pessoas, as torturava, as destruía, arrancava suas línguas quando elas discordavam. E agora as pessoas estão começando a ver o que significa a liberdade no Iraque. Veja as marchas e as peregrinações xiitas que estão acontecendo.
O mundo verá que os EUA estão interessados em paz, segurança e liberdade.

Pergunta - O sr. assistiu ao vídeo de Saddam no dia seguinte ao primeiro ataque, de óculos, lendo a partir de um bloco de anotações?
Bush -
Sim, eu me diverti com aquilo. Mas, você sabe, as pessoas questionam se Saddam está morto. Algumas evidências sugerem que ele esteja. Mas nunca faríamos uma afirmação dessa sem termos certeza. A pessoa que nos ajudou a direcionar os ataques, no entanto, acredita que, no mínimo, ele esteja gravemente ferido.

Pergunta - Seu velho amigo de família Brent Scrowcroft, que tem algumas divergências com suas políticas, diz que uma das coisas que o preocupam é que não existe tradição de democracia no Iraque, que as pessoas vão simplesmente agarrar o poder onde puderem. Muitas pessoas estão achando que é isso o que está acontecendo no sul do Iraque, especialmente com os xiitas. Isso não é motivo de grande preocupação?
Bush -
Bem, para início de conversa, estamos só começando. O país ainda não está em segurança. Nossas primeiras preocupações são garantir que as unidades de milícia dos velhos guerrilheiros de Saddam não estejam lá fora, matando pessoas. Assim, nossas tropas estão trabalhando com forças da coalizão para tornar o país mais seguro.
Em segundo lugar, estamos preocupados em garantir que haja uma presença policial nessas diferentes cidades, para manter a ordem nelas. Estamos apenas começando a posicionar nossas equipes para ajudar as burocracias iraquianas a se reerguerem e começarem a funcionar.
Repudio os críticos que dizem que a democracia não pode dar certo no Iraque. Pode não ter a mesma aparência da América. Você sabe, pode não surgir nenhum Thomas Jefferson. Mesmo assim, entretanto, acredito que possa, sim, haver um governo representativo e que todas as facções possam ser representadas.

Pergunta - Mas, se o governo do Iraque se tornar um governo islâmico -e, com uma maioria de 60% formada por xiitas, isso é muito possível-, isso seria aceitável para o sr.?
Bush -
O que eu gostaria de ver seria um governo no qual religião e Estado fossem separados. E acredito que haja gente suficiente no Iraque que gostaria desse tipo de governo -talvez haja um governo nacionalista, que realmente honre a história e as tradições iraquianas, o próprio Iraque. Mas é preciso que seja um governo que represente todas as pessoas.

Pergunta - Quanto tempo vai levar a missão dos EUA no Iraque?
Bush -
Alguém me perguntou outro dia quanto tempo seria preciso para nos livrarmos do regime de Saddam. Minha resposta é: vai levar o tempo que for preciso.

Pergunta - Mas pode levar até dois anos?
Bush -
Pode. Pode mesmo. Ou menos -quem sabe? Mas o que estou querendo mostrar é que estamos lá para promover a segurança, para garantir que a vida retorne ao normal. E para ajudar a população iraquiana a estabelecer um governo, porque acreditamos que a democracia possa funcionar no Iraque. E o nacionalismo, você sabe, significa que é mais provável que surja um governo centrado no próprio Iraque, em suas tradições e em sua história, em oposição a um governo centrado numa religião específica.

Pergunta - Quero lhe perguntar sobre o futuro de alguns outros relacionamentos que temos -com as Nações Unidas, por exemplo. Há duas pessoas que o admiram muito e que são analistas poderosos em Washington, George Will e Bill Kristol. Referindo-se à ONU, George Will disse: "Se não é o fim como nós o conhecemos, então deveria ser". E Bill Kristol falou: "Antigamente eu achava a ONU apenas inútil. Agora a acho prejudicial".
Bush -
Bem, espero que a ONU seja útil mesmo. Espero que a ONU seja um organismo efetivo que ajude a enfrentar as novas ameaças do século 21, enfrentando o terror, os Estados terroristas e a proliferação de armas.
E posso compreender por que alguns setores se sentem frustrados com a ONU, porque a ONU pareceu não estar disposta a unir-se à causa da liberdade. E era frustrante para os americanos que se tivesse a impressão de que a ONU poderia criar obstáculos a uma política externa norte-americana que estava sendo conduzida em nome da paz e da segurança.
Por outro lado, eu fui a pessoa que foi à ONU em primeiro lugar. Foi minha a decisão de ir lá e proferir o discurso em que cobrei uma ação da ONU, em 12 de setembro de 2002. A ONU terá um papel útil na reconstrução do Iraque, por exemplo, porque muitos países não poderão dar dinheiro para a reconstrução sem que ele passe pelo canal da ONU.
E há um papel a ser exercido pela ONU nessa área. Espero que, à medida que ameaças surjam, a ONU reaja mais a essas ameaças.

Pergunta - O sr. vai convidar o presidente francês, Jacques Chirac [contrário à guerra], ao seu rancho em Crawford?
Bush -
Bem, meu primeiro convidado será John Howard [que apoiou a guerra e enviou soldados], e ele está vindo.

Pergunta - O primeiro-ministro da Austrália?
Bush -
Sim, o primeiro-ministro da Austrália. Ele é um grande amigo e um aliado fantástico. Ele virá uma semana depois da próxima sexta-feira.

Pergunta - Mas e o presidente Chirac?
Bush -
Você não vai receber comentário algum sobre isso. Duvido que ele venha ao rancho no futuro próximo. Por outro lado, sabe, há alguns pontos de tensão no relacionamento, obviamente, porque alguns membros de nossa administração e alguns setores de nosso país acharam que a posição francesa foi antiamericana.
E minha preocupação em relação à posição francesa é que ela possa enfraquecer a aliança da Otan. A Otan é uma aliança muito importante. É algo que não apenas temos trabalhado para modernizar, como eu também tenho trabalhado para ampliar a Otan. E é muito importante que a Europa não fique dividida a tal ponto que os Estados Unidos não possam relacionar-se com uma Europa unida, inteira, livre e em paz.

Pergunta - Já falamos sobre isso antes. Agora que a guerra no Iraque já terminou de fato, o sr. já pensou sobre uma Doutrina Bush que seja uma estrutura abrangente de algum tipo, em base global, para lidar com as armas de destruição em massa e a necessidade possível de ataques preventivos contra "Estados delinquentes"?
Bush -
Na realidade, a Doutrina Bush está sendo definida pela ação, em oposição ao discurso. Se bem que acho que, se você compilasse vários dos discursos que já fiz, poderia chegar ao que é a Doutrina Bush.
Vejo as oportunidades pós-Iraque com Saddam da seguinte maneira: um, que agora podemos lidar mais efetivamente com as armas de destruição em massa, que já deixamos claro que quem armazenar essas armas terá o tratamento que merece. Esperemos que a maior parte desse trabalho possa ser realizado por vias diplomáticas. E você nos verá -você me verá e verá membros de nossa administração começando a fazer pressão para a criação de novos protocolos internacionais que tornem as organizações internacionais mais eficazes quando se trata de interromper a difusão das armas de destruição em massa.
Acredito também que a reforma no Oriente Médio e a paz no Oriente Médio seja uma iniciativa que vamos continuar a impulsionar -que eu vou impulsionar-, especialmente no processo de paz do Oriente Médio, vou trabalhar duro para conquistar a solução dos dois Estados. E temos uma boa oportunidade de consegui-lo.

Pergunta - E o que o sr. achou do ministro da Informação iraquiano [risos]?
Bush -
Ele era demais, ele foi ótimo [risos]. Alguém até nos acusou de tê-lo contratado e colocado lá. Ele foi um clássico.


Tradução de Clara Allain


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