São Paulo, segunda-feira, 26 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bagdá vive onda de seqüestros

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os pouco menos de mil profissionais da imprensa ocidental que se encontram hoje no Iraque começam a ser alvo de uma modalidade de crime muito conhecida dos brasileiros, mas que só agora chega ali: o seqüestro relâmpago.
Nas duas últimas semanas, ao menos 40 profissionais passaram por tal experiência, entre eles o principal correspondente do "New York Times" na região, John Burns, que ficou oito horas preso por rebeldes xiitas.
Segundo relataram à Folha repórteres baseados em Bagdá, os seqüestradores podem ser tanto grupos ligados aos sunitas, que alimentam um dos principais focos de resistência à ocupação americana, principalmente em Fallujah, quanto os xiitas liderados pelo radical Moqtada al Sadr.
O "modus operandi" é parecido: o jornalista e sua equipe são parados a caminho da reportagem, geralmente nas estradas que saem de Bagdá em direção ao oeste, para Fallujah e para a Jordânia, e ao sul, em direção a Najaf e ao Kuait. "O curioso é que eles nem sempre querem dinheiro e passaporte", disse a jornalista argentina Karen Fabiana Marón, que chegou a Bagdá no começo da semana e trabalha em regime de free-lance. "O que buscam é a publicidade garantida que um seqüestro de jornalista traz."
Burns e o fotógrafo Shawn Baldwin, do "New York Times", foram seqüestrados dias antes de dois colegas do jornal terem passado por experiência similar. O veterano definiu seus seqüestradores, seguidores de Al Sadr, como "mais errantes do que militantes".
A onda fez os profissionais de imprensa mudarem alguns hábitos e procedimentos. A estrada que ligava Amã, na Jordânia, a Bagdá, a porta de entrada do Iraque mais utilizada pela imprensa, não é mais usada, pois passa bem ao lado de Fallujah, e não há dinheiro que convença os motoristas locais a fazer o trajeto.
"Agora, temos de esperar o vôo incerto e nem sempre diário da Royal Air Jordan", disse Karen Marón, que pagou US$ 575 por uma passagem de ida e volta, mas aguardou cinco dias até que a rota aérea fosse de novo liberada.
A movimentação da imprensa em Bagdá também está tolhida. A direção do "New York Times" recomendou que sua equipe limitasse as saídas, e a ABC News determinou que seus funcionários só saíssem durante o dia, embora o toque de recolher esteja suspenso desde o meio de 2003.
Para evitar viagens desnecessárias, as cinco principais emissoras norte-americanas no país, ABC, CBS, NBC, CNN e Fox News, concordaram em formar um pool inédito que permite que apenas uma equipe por dia deixe Bagdá.
"Antes, a gente tinha medo de carro-bomba", disse a brasileira Marina Passos, 27, da agência France Presse. "Agora, é o seqüestro. Tanto que nem saímos mais à noite para jantar."
Marina e seu colega, o fotógrafo Antonio Scorza, são os únicos jornalistas brasileiros hoje em dia em Bagdá. Mas estão tranqüilos: "Temos um amigo que anda com um número de telefone de um iraquiano no bolso e disse que, em caso de seqüestro, basta telefonar para ele que é solto no ato".
Cresce também o número de profissionais que andam armados, o que levou o mesmo "New York Times" a baixar uma medida proibindo seus profissionais de portarem qualquer tipo de arma, mas deixando a critério dos jornalistas a decisão de contratar ou não seguranças privados.
"Aqui em Bagdá, mais precisamente em volta do hotel Palestine, há um clima de paranóia coletiva", disse o fotógrafo argentino Juan Manuel Ferrari, de volta à cidade um ano depois de ter se oferecido como escudo humano na guerra. "Muitos ficam trancados nos quartos."
O seqüestro como estratégia "é fútil e covarde e não vai ajudar o Iraque a chegar nem à libertação nem à democracia", lamentou Aidan White, da Federação Internacional de Jornalistas.


Texto Anterior: Suborno teria ajudado os EUA, afirma saudita
Próximo Texto: Multimídia - The New York Times - de Nova York: Teorias de Rumsfeld estão erradas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.