|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Bagdá vive onda de seqüestros
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Os pouco menos de mil profissionais da imprensa ocidental que
se encontram hoje no Iraque começam a ser alvo de uma modalidade de crime muito conhecida
dos brasileiros, mas que só agora
chega ali: o seqüestro relâmpago.
Nas duas últimas semanas, ao
menos 40 profissionais passaram
por tal experiência, entre eles o
principal correspondente do
"New York Times" na região,
John Burns, que ficou oito horas
preso por rebeldes xiitas.
Segundo relataram à Folha repórteres baseados em Bagdá, os
seqüestradores podem ser tanto
grupos ligados aos sunitas, que
alimentam um dos principais focos de resistência à ocupação
americana, principalmente em
Fallujah, quanto os xiitas liderados pelo radical Moqtada al Sadr.
O "modus operandi" é parecido: o jornalista e sua equipe são
parados a caminho da reportagem, geralmente nas estradas que
saem de Bagdá em direção ao oeste, para Fallujah e para a Jordânia,
e ao sul, em direção a Najaf e ao
Kuait. "O curioso é que eles nem
sempre querem dinheiro e passaporte", disse a jornalista argentina
Karen Fabiana Marón, que chegou a Bagdá no começo da semana e trabalha em regime de free-lance. "O que buscam é a publicidade garantida que um seqüestro
de jornalista traz."
Burns e o fotógrafo Shawn Baldwin, do "New York Times", foram
seqüestrados dias antes de dois
colegas do jornal terem passado
por experiência similar. O veterano definiu seus seqüestradores,
seguidores de Al Sadr, como
"mais errantes do que militantes".
A onda fez os profissionais de
imprensa mudarem alguns hábitos e procedimentos. A estrada
que ligava Amã, na Jordânia, a
Bagdá, a porta de entrada do Iraque mais utilizada pela imprensa,
não é mais usada, pois passa bem
ao lado de Fallujah, e não há dinheiro que convença os motoristas locais a fazer o trajeto.
"Agora, temos de esperar o vôo
incerto e nem sempre diário da
Royal Air Jordan", disse Karen
Marón, que pagou US$ 575 por
uma passagem de ida e volta, mas
aguardou cinco dias até que a rota
aérea fosse de novo liberada.
A movimentação da imprensa
em Bagdá também está tolhida. A
direção do "New York Times" recomendou que sua equipe limitasse as saídas, e a ABC News determinou que seus funcionários
só saíssem durante o dia, embora
o toque de recolher esteja suspenso desde o meio de 2003.
Para evitar viagens desnecessárias, as cinco principais emissoras
norte-americanas no país, ABC,
CBS, NBC, CNN e Fox News, concordaram em formar um pool
inédito que permite que apenas
uma equipe por dia deixe Bagdá.
"Antes, a gente tinha medo de
carro-bomba", disse a brasileira
Marina Passos, 27, da agência
France Presse. "Agora, é o seqüestro. Tanto que nem saímos mais à
noite para jantar."
Marina e seu colega, o fotógrafo
Antonio Scorza, são os únicos jornalistas brasileiros hoje em dia em
Bagdá. Mas estão tranqüilos: "Temos um amigo que anda com um
número de telefone de um iraquiano no bolso e disse que, em
caso de seqüestro, basta telefonar
para ele que é solto no ato".
Cresce também o número de
profissionais que andam armados, o que levou o mesmo "New
York Times" a baixar uma medida proibindo seus profissionais
de portarem qualquer tipo de arma, mas deixando a critério dos
jornalistas a decisão de contratar
ou não seguranças privados.
"Aqui em Bagdá, mais precisamente em volta do hotel Palestine,
há um clima de paranóia coletiva", disse o fotógrafo argentino
Juan Manuel Ferrari, de volta à cidade um ano depois de ter se oferecido como escudo humano na
guerra. "Muitos ficam trancados
nos quartos."
O seqüestro como estratégia "é
fútil e covarde e não vai ajudar o
Iraque a chegar nem à libertação
nem à democracia", lamentou Aidan White, da Federação Internacional de Jornalistas.
Texto Anterior: Suborno teria ajudado os EUA, afirma saudita Próximo Texto: Multimídia - The New York Times - de Nova York: Teorias de Rumsfeld estão erradas Índice
|