São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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CONFLITO

Segundo analistas, Índia e Paquistão, que dispõem de arsenal nuclear, caminham para um confronto limitado

Ameaça de guerra paira sobre o sul da Ásia

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

"Chegou a hora do combate decisivo. E nós ganharemos esta guerra", declarou o premiê indiano, Atal Behari Vajpayee, há alguns dias. "O povo paquistanês está determinado a defender seu país de qualquer agressão da Índia", replicou Islamabad. Como mostra o tom oficial, a situação geopolítica do sul da Ásia é, de fato, preocupante, de acordo com analistas ouvidos pela Folha.
"A perspectiva atual é a de que haja um conflito limitado. Como vem bradando que não admitirá mais ataques extremistas, o governo indiano terá de agir se algo acontecer. Contudo, devido às condições meteorológicas atuais, não deverá ocorrer a deflagração de um conflito mais sério antes de setembro", analisou Christiane Hurtig, do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (Paris).
"Vive-se uma época de calor terrível na região. A temperatura já ultrapassa os 50oC no Rajastão [vizinho da Caxemira". Em breve, começará o período das monções, no qual a intensidade das chuvas impedirá um grande movimento de tropas. Assim, até setembro, a meteorologia deverá ajudar a diplomacia", acrescentou.
Desde 1998, quando ambos realizaram testes nucleares, o espectro de uma guerra entre os dois países ganhou uma agravante aterradora: a possibilidade da utilização de armas atômicas. Estimativas do grupo Jane's, responsável por publicações militares e estratégicas, dão conta da existência de ao menos cem ogivas nucleares do lado indiano e de no mínimo 25 no Paquistão.
Se houvesse uma nova guerra entre os dois Estados, ela seria totalmente diferente das três anteriores. "As guerras precedentes foram bem menos sofisticadas do que seria um conflito armado hoje. Afinal, além das armas nucleares, ambos contam com bastante material bélico de alto nível", apontou S.N. Sridhar, da Universidade Estadual de Nova York.
Com tudo isso, a ameaça feita anteontem pelo general paquistanês Mohammad Yusaf Khan pode não ser um blefe. "Não queremos guerra, mas, se o inimigo arriscar uma agressão, responderemos [a ela" com toda a nossa força." Com efeito, nenhum dos dois países tem interesse na deflagração de um conflito armado. Todavia, dependendo do que ocorrer nos próximos meses, isso poderá ser inevitável em setembro.
"O governo indiano fez tantas ameaças que será obrigado a tomar uma atitude se a administração paquistanesa não fizer nada para conter os atentados que têm ocorrido na Caxemira indiana. Senão Vajpayee correrá o risco de perder credibilidade internamente, sobretudo porque a crise econômica já irrita boa parte da população", explicou Hurtig.
"Se existir, qualquer ação indiana deverá limitar-se a ataques aéreos a campos de treinamento na Caxemira paquistanesa ou no território paquistanês próximo à fronteira. O perigo é que inúmeros estrategistas indianos são contrários a essa posição, pois não crêem que isso dê resultado."

Efeitos catastróficos
Por enquanto, não há um risco real de ocorrência de uma guerra ampla. Em tese, também está descartado, segundo os analistas, o uso de armamentos nucleares. "Uma guerra nuclear seria catastrófica para a região. Ademais, ela abriria um precedente aterrador. As grandes potências farão tudo para evitá-la", indicou Sridhar.
Outro fator de preocupação é a aparente liberdade de que gozam os militares paquistaneses em relação ao presidente Pervez Musharraf. "O Exército não é totalmente controlado por ele. Há até divisões, como a dos chefes tribais, que não mais respeitam suas ordens", declarou Hurtig.
Em 1999, os dois países atravessaram uma crise relativamente grave. Para recuperar um território que havia sido tomado pelo inimigo, as forças indianas bombardearam bases paquistanesas na região de Kargil (norte da Caxemira). "Há uma grande diferença agora: não se trata de recuperar terreno, mas de punir o inimigo", afirmou Sridhar.
O clima geopolítico vem-se deteriorando desde dezembro, quando um atentado ao Parlamento indiano, supostamente realizado pelos grupos extremistas Lashkar-e-Taiba e Jaish-e-Mohammad -apoiados pelo governo paquistanês, de acordo com a Índia-, deixou um saldo de 14 mortos (cinco terroristas).
Em seguida, Nova Déli e Islamabad enviaram tropas e armamentos à sua fronteira comum -de cerca de 1.800 km. Crê-se que haja centenas de milhares de soldados na região. Em meio à "guerra ao terrorismo" liderada pelos EUA, Musharraf tentou, então, mostrar que não apoiava terroristas e deteve líderes dos dois grupos, além de mais de 50 de seus militantes.
Todavia, após seguidos ataques a postos indianos na Caxemira, a situação voltou a agravar-se. Embora Islamabad sustente que só dá apoio moral e político à "luta legítima pela autodeterminação da Caxemira", Nova Déli diz não mais aturar "a anuência do governo paquistanês" aos ataques.
A administração indiana acusa a paquistanesa de incitar e de armar separatistas na parte da Caxemira controlada por Nova Déli. Cerca de 45% da Caxemira é controlada pela Índia, 35%, pelo Paquistão, e o restante, pela China. A Caxemira foi a causa de duas das três guerras indo-paquistanesas.
Nesse quadro, a atitude de Washington é vital. Mas os EUA estão numa posição delicada. Segundo Hurtig, o único modo de pôr fim à ameaça de guerra é "apoiar Nova Déli contra os terroristas". Contudo, com o esforço militar ainda inacabado no Afeganistão, o Paquistão é um aliado inevitável.












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