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São Paulo, sábado, 26 de julho de 2003

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DIREITOS HUMANOS

Mais nove ex-repressores se põem à disposição da Justiça após ordem de prisão; um dos envolvidos tenta suicídio

Kirchner libera extradição de militares

Daniel García - 25.fev.2000/France Presse
O ex-militar Alfredo Astiz ouve filhos de desaparecidos em Buenos Aires; Astiz se entregou ontem


ELAINE COTTA
DE BUENOS AIRES

O presidente argentino, Néstor Kirchner, anulou ontem decreto assinado pelo ex-presidente Fernando de la Rúa (1999-2001), no início de seu governo, que impedia a extradição de militares acusados de violação dos direitos humanos durante a última ditadura militar argentina (1976-1983).
Ontem, mais nove ex-repressores se colocaram à disposição da Justiça, entre eles Alfredo Astiz e Antonio Bussi, prefeito de Tucumán. Também estão na lista Armando Lambruschini, Jorge Isaac Anaya e Luis María Mendía. Estão detidos nas dependências da Polícia Federal da Argentina o advogado Gonzalo Torres de Tolosa, único civil da lista, e Héctor Febres Méndez.
Já Juan Antonio Azic está internado em estado grave no Hospital Naval de Buenos Aires, após tentar o suicídio. Azic disparou um tiro contra sua boca.
O decreto anulado ontem bloqueava automaticamente os pedidos de extradição e impedia o julgamento de militares argentinos em tribunais no exterior sob a alegação de que esse procedimento feria a soberania nacional.
A decisão foi tomada um dia depois de o juiz federal Rodolfo Canicoba Corral ordenar a prisão de 45 militares e ex-militares e de um civil -que poderão ser extraditados para a Espanha.
A decisão segue a solicitação feita em 8 de julho pelo juiz espanhol Baltasar Garzón, que julga casos de tortura e genocídio cometidos contra cidadãos espanhóis durante os governos militares da América Latina.
Com a medida, os pedidos de extradição passam a ser analisados diretamente pela Justiça argentina, que irá determinar se os militares devem ou não ser julgados por tribunais no exterior.
A ordem de prisão é um trâmite necessário antes da oficialização do pedido de extradição, que deve ser reencaminhado pela Espanha à Argentina num prazo de 30 dias.
O primeiro pedido foi feito em 1999, mas foi negado pelo governo de Fernando de la Rúa. Na época, a Argentina recebeu ainda pedidos de extradição da Itália, da Alemanha e da França.
O ministro da Defesa, José Pampuro, instruiu todos os comandantes militares a fazer o que for necessário para cumprir a ordem do juiz Canicoba Corral.
Em declarações feitas após a anulação do decreto, o chefe de gabinete do governo argentino, Alberto Fernández, disse que "as extradições são um tema da Justiça" e que só falta uma decisão sobre as leis de anistia, assinadas pelo ex-presidente Raúl Alfonsín em 1986 e 1987, que estão em debate na Corte Suprema de Justiça.
As leis (de Ponto Final e de Obediência Devida) já foram declaradas inconstitucionais por cortes de segunda instância. Falta só um parecer final da Corte Suprema para que elas sejam anuladas.

Comemoração
A decisão foi elogiada por organizações de direitos humanos da Argentina. Hebe Bonafini, da Associação Mães da Praça de Maio, formada por mães de desaparecidos políticos, classificou a medida de "valente", mas disse, em entrevista à Folha, que só iria comemorar quando os acusados fossem realmente punidos.
"Vejo essa decisão com otimismo, mas, por enquanto, não estamos dando pulos de alegria. Faz 27 anos que estamos esperando a justiça. Esse é um passo importante, mas prefiro esperar para ver o que vai acontecer realmente", afirmou.
Maria José Guembe, do Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais), organização não-governamental que encaminhou as primeiras denúncias sobre tortura do país, disse esperar agora que a Corte Suprema faça a sua parte.


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