São Paulo, sábado, 26 de julho de 2003 |
Próximo Texto | Índice
DIREITOS HUMANOS Mais nove ex-repressores se põem à disposição da Justiça após ordem de prisão; um dos envolvidos tenta suicídio Kirchner libera extradição de militares
ELAINE COTTA DE BUENOS AIRES O presidente argentino, Néstor Kirchner, anulou ontem decreto assinado pelo ex-presidente Fernando de la Rúa (1999-2001), no início de seu governo, que impedia a extradição de militares acusados de violação dos direitos humanos durante a última ditadura militar argentina (1976-1983). Ontem, mais nove ex-repressores se colocaram à disposição da Justiça, entre eles Alfredo Astiz e Antonio Bussi, prefeito de Tucumán. Também estão na lista Armando Lambruschini, Jorge Isaac Anaya e Luis María Mendía. Estão detidos nas dependências da Polícia Federal da Argentina o advogado Gonzalo Torres de Tolosa, único civil da lista, e Héctor Febres Méndez. Já Juan Antonio Azic está internado em estado grave no Hospital Naval de Buenos Aires, após tentar o suicídio. Azic disparou um tiro contra sua boca. O decreto anulado ontem bloqueava automaticamente os pedidos de extradição e impedia o julgamento de militares argentinos em tribunais no exterior sob a alegação de que esse procedimento feria a soberania nacional. A decisão foi tomada um dia depois de o juiz federal Rodolfo Canicoba Corral ordenar a prisão de 45 militares e ex-militares e de um civil -que poderão ser extraditados para a Espanha. A decisão segue a solicitação feita em 8 de julho pelo juiz espanhol Baltasar Garzón, que julga casos de tortura e genocídio cometidos contra cidadãos espanhóis durante os governos militares da América Latina. Com a medida, os pedidos de extradição passam a ser analisados diretamente pela Justiça argentina, que irá determinar se os militares devem ou não ser julgados por tribunais no exterior. A ordem de prisão é um trâmite necessário antes da oficialização do pedido de extradição, que deve ser reencaminhado pela Espanha à Argentina num prazo de 30 dias. O primeiro pedido foi feito em 1999, mas foi negado pelo governo de Fernando de la Rúa. Na época, a Argentina recebeu ainda pedidos de extradição da Itália, da Alemanha e da França. O ministro da Defesa, José Pampuro, instruiu todos os comandantes militares a fazer o que for necessário para cumprir a ordem do juiz Canicoba Corral. Em declarações feitas após a anulação do decreto, o chefe de gabinete do governo argentino, Alberto Fernández, disse que "as extradições são um tema da Justiça" e que só falta uma decisão sobre as leis de anistia, assinadas pelo ex-presidente Raúl Alfonsín em 1986 e 1987, que estão em debate na Corte Suprema de Justiça. As leis (de Ponto Final e de Obediência Devida) já foram declaradas inconstitucionais por cortes de segunda instância. Falta só um parecer final da Corte Suprema para que elas sejam anuladas. Comemoração A decisão foi elogiada por organizações de direitos humanos da Argentina. Hebe Bonafini, da Associação Mães da Praça de Maio, formada por mães de desaparecidos políticos, classificou a medida de "valente", mas disse, em entrevista à Folha, que só iria comemorar quando os acusados fossem realmente punidos. "Vejo essa decisão com otimismo, mas, por enquanto, não estamos dando pulos de alegria. Faz 27 anos que estamos esperando a justiça. Esse é um passo importante, mas prefiro esperar para ver o que vai acontecer realmente", afirmou. Maria José Guembe, do Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais), organização não-governamental que encaminhou as primeiras denúncias sobre tortura do país, disse esperar agora que a Corte Suprema faça a sua parte. Próximo Texto: Menem e militares criticam medida Índice |
|