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São Paulo, sábado, 26 de julho de 2003

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REPRESSÃO

Durante onda de repressão na ilha, regime desmantela coleções de livros e detém 14 bibliotecários voluntários

Cuba fecha 22 bibliotecas independentes

PAULO A. PARANAGUA
DO "LE MONDE"

Em Cuba, a paixão pela leitura pode ser perigosa. Durante a onda de repressão iniciada em abril, 22 bibliotecas independentes, acusadas de subversão, foram desmanteladas pelo regime.
Entre os 14 bibliotecários voluntários detidos, José Garcia Paneque foi condenado a 24 anos de prisão. Isso não impediu a biblioteca Liberdade e Democracia de abrir suas portas ao público na segunda-feira, 21 de julho, em um domicílio particular em Reparto Avila, na Província de Camaguey, oferecendo 300 livros.
Apesar do revés sofrido, as bibliotecas "em casa" continuam a funcionar abertamente (www.bibliocuba.org). O endereço e os nomes dos responsáveis pela Liberdade e Democracia estão disponíveis, igualmente, no site da agência extra-oficial de notícias Cubanet.
Um dos iniciadores do movimento, Ramón Humberto Colas, de passagem por Paris, se lembra de como tudo começou. "Durante a Feira Internacional do Livro, em 1998, em Havana, Fidel Castro declarou que, em Cuba, não existiam livros proibidos, mas sim falta de dinheiro para adquiri-los".
Berta Mexidor e Ramón Colas decidiram, então, "seguir as palavras" do ditador e criaram a primeira biblioteca pública em casa, em Las Tunas, sob os auspícios do padre Félix Varela, um dos pensadores essenciais do século 19, em Cuba.
Não demorou muito para que a casa atraísse 1.500 visitantes. García Paneque foi o primeiro leitor, antes de pagar caro pelo prazer de desfrutar da leitura.

Apoio europeu
"Ler é um direito", relembra Ramón Colas, que insiste em uma das condições requeridas pelos animadores do projeto: "Não se pode, de maneira nenhuma, ocultar a biblioteca. Tudo deve ficar bem visível".
Os cubanos que vivem no exílio e visitam suas famílias esporadicamente, os turistas e certas embaixadas -a dos Estados Unidos, a da Holanda, a da Espanha, a da República Tcheca e a da Suécia- enriqueceram as estantes com várias obras em espanhol.
Os diários espanhóis "El País" "El Mundo" e "ABC", além do "Nuevo Heraldo" (editado pelo "Miami Herald"), atraem leitores acostumados à linguagem ideológica do "Granma", o jornal oficial do Partido Comunista de Cuba.
No filme "Morango e Chocolate", ficava claro que os livros do peruano Mario Vargas Llosa, que rompeu com o castrismo, tinham de circular às escondidas. Dez anos mais tarde, pouca coisa mudou na ilha.
Os escritores exilados, cujos nomes há muito foram excluídos das obras de referência, como o "Dicionário da Literatura Cubana", ganharam direito a homenagens póstumas ou a edições de tiragem reduzida, como a do admirável "El Monte", da antropóloga Lydia Cabrera. O romancista Guillermo Cabrera Infante continua a ser o maior inimigo dos inquisidores cubanos.
Contratado como pesquisador pela Universidade de Miami, Ramón Colas veio à Europa procurar apoio. "Se for a Cuba, leve um livro", pede ele aos viajantes. Recebido no Ministério das Relações Exteriores francês, ele solicitou doações de clássicos e de livros didáticos franceses para as bibliotecas independentes.
Seguindo uma diretriz da União Européia, as autoridades francesas reordenaram sua cooperação e suspenderam a concessão de assistência à polícia cubana. Será que a combativa diplomacia francesa apoiará o embrião de uma sociedade civil, preferindo formar bibliotecários a policiais?
No auge da ofensiva da coalizão anglo-americana contra o regime de Saddam Hussein, outro ditador, o cubano Fidel, viu uma oportunidade para dar início a uma onda de repressão à oposição. Esta resultou na prisão de 75 dissidentes e na execução sumária de três homens acusados de sequestrar uma embarcação para tentar fugir do país.


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