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São Paulo, sexta-feira, 26 de setembro de 2003

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MEMÓRIA

Autor de "Orientalismo", Said era um dos principais críticos do governo israelense, de Arafat e dos Acordos de Oslo

Morre o intelectual palestino Edward Said

PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA

O intelectual palestino Edward Said, 67, autor de obras sobre crítica literária e musical, política e história, morreu ontem em um hospital de Nova York. Ele sofria de leucemia desde 1991.
Uma das vozes mais críticas à ocupação dos territórios palestinos e ao modelo das negociações de paz com Israel, sob a mediação norte-americana, Said foi membro do Parlamento palestino no exílio durante 14 anos até renunciar em 1991 por causa da leucemia e por sua oposição ao líder palestino Iasser Arafat.
Nascido em Jerusalém, em 1935, numa família anglicana da elite palestina que se mudou para o Cairo e cujo pai havia adquirido a cidadania norte-americana durante a Primeira Guerra, foi educado em escolas coloniais inglesas (onde foi contemporâneo do rei Hussein, da Jordânia) antes de estudar em Princeton e Harvard. Tornou-se professor de literatura comparada e inglesa na Universidade Columbia em 1963.
Desde então, publicou vários livros, entre eles "Orientalismo", um clássico do debate cultural no qual afirma que o Oriente foi uma construção teórica ocidental, baseada em uma série de estereótipos reducionistas (sensual, vicioso, tirânico, retrógrado e preguiçoso) a fim de construir uma cultura homogênea para melhor dominá-la, em nome de um Ocidente também idealizado. Essa obra se transformou em uma espécie de credo intelectual entre universitários e um dos documentos fundadores do que ficou conhecido como estudos pós-coloniais.
Com suas múltiplas identidades, Said trouxe a experiência de volta ao foco da crítica, contra o domínio exclusivo das teorias formalistas. Escreveu ensaios sobre Conrad, Vico, Lukács, Melville, Nietzsche, T. E. Lawrence e Merleau-Ponty, entre outros. A teoria do choque de civilizações, de Samuel Huntington, descreveu como "choque de ignorâncias".
Foi alvo de críticas de grupos judaicos, o pesquisador israelense Justus Reid Weiner o acusou de dramatizar sua infância, e chegou a ser descrito em um artigo como "professor de terror".
"Repudio totalmente o terror em todas as suas formas, seja palestino ou israelense", contestou.
Said não poupou críticas ao governo de Israel, à Autoridade Palestina, a regimes árabes e aos Acordos de Oslo ("Oslo não diz nada sobre colônias, fim da ocupação, soberania nem recursos hídricos", argumentava).
"Menino de 12 anos e meio no Cairo, vi tristeza e privação no rosto e na vida de pessoas que conhecera anteriormente entre os que formavam a classe média na Palestina, mas não podia entender a tragédia que havia desabado sobre elas [após a criação de Israel]", escreve Said em sua autobiografia, de 1999. "No longo prazo temos uma chance muito boa de sobreviver como povo. Mas vai ser muito difícil", acreditava.


Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP


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