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MEMÓRIA
Autor de "Orientalismo", Said era um dos principais críticos do governo israelense, de Arafat e dos Acordos de Oslo
Morre o intelectual palestino Edward Said
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA
O intelectual palestino Edward
Said, 67, autor de obras sobre crítica literária e musical, política e
história, morreu ontem em um
hospital de Nova York. Ele sofria
de leucemia desde 1991.
Uma das vozes mais críticas à
ocupação dos territórios palestinos e ao modelo das negociações
de paz com Israel, sob a mediação
norte-americana, Said foi membro do Parlamento palestino no
exílio durante 14 anos até renunciar em 1991 por causa da leucemia e por sua oposição ao líder
palestino Iasser Arafat.
Nascido em Jerusalém, em 1935,
numa família anglicana da elite
palestina que se mudou para o
Cairo e cujo pai havia adquirido a
cidadania norte-americana durante a Primeira Guerra, foi educado em escolas coloniais inglesas
(onde foi contemporâneo do rei
Hussein, da Jordânia) antes de estudar em Princeton e Harvard.
Tornou-se professor de literatura
comparada e inglesa na Universidade Columbia em 1963.
Desde então, publicou vários livros, entre eles "Orientalismo",
um clássico do debate cultural no
qual afirma que o Oriente foi uma
construção teórica ocidental, baseada em uma série de estereótipos reducionistas (sensual, vicioso, tirânico, retrógrado e preguiçoso) a fim de construir uma cultura homogênea para melhor dominá-la, em nome de um Ocidente também idealizado. Essa obra
se transformou em uma espécie
de credo intelectual entre universitários e um dos documentos
fundadores do que ficou conhecido como estudos pós-coloniais.
Com suas múltiplas identidades, Said trouxe a experiência de
volta ao foco da crítica, contra o
domínio exclusivo das teorias formalistas. Escreveu ensaios sobre
Conrad, Vico, Lukács, Melville,
Nietzsche, T. E. Lawrence e Merleau-Ponty, entre outros. A teoria
do choque de civilizações, de Samuel Huntington, descreveu como "choque de ignorâncias".
Foi alvo de críticas de grupos judaicos, o pesquisador israelense
Justus Reid Weiner o acusou de
dramatizar sua infância, e chegou
a ser descrito em um artigo como
"professor de terror".
"Repudio totalmente o terror
em todas as suas formas, seja palestino ou israelense", contestou.
Said não poupou críticas ao governo de Israel, à Autoridade Palestina, a regimes árabes e aos
Acordos de Oslo ("Oslo não diz
nada sobre colônias, fim da ocupação, soberania nem recursos
hídricos", argumentava).
"Menino de 12 anos e meio no
Cairo, vi tristeza e privação no
rosto e na vida de pessoas que conhecera anteriormente entre os
que formavam a classe média na
Palestina, mas não podia entender a tragédia que havia desabado
sobre elas [após a criação de Israel]", escreve Said em sua autobiografia, de 1999. "No longo prazo temos uma chance muito boa
de sobreviver como povo. Mas vai
ser muito difícil", acreditava.
Paulo Daniel Farah é professor na
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP
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