São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2004

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OLHAR BRASILEIRO

"Shopping" supera o "voting"

ANTONIO PEDRO TOTA

Se depender de Nova York, Bush está perdido. Mas Nova York não é exatamente os EUA. Não há "red necks". É uma cidade liberal, segundo os padrões americanos. Há entusiasmo nas ruas, muitos homens e mulheres de todas as idades com listas pedindo que as pessoas se registrem para votar. Todos com a "blue tag" do Partido Democrata.
Nova York parece que recuperou um pouco a alegria de viver, depois do 11 de Setembro. Tem um ar de festa. Quase todo mundo com os buttons do senador John Kerry.
Em alguns vagões do metrô, os avisos de "Não segure a porta" foram substituídos por "Não colonize o Iraque". Um sindicato encheu o metrô de cartazes cobrando um "New New Deal", numa referência ao programa de recuperação de Franklin D. Roosevelt na década de 30, com forte interferência do Estado na economia. Exatamente o contrário da política de Bush.
Na estação de rádio local pública da cidade, Paulo Krasner, um conhecido crítico, fez uma piada que pode ser traduzida assim: "Alguns caras andam dizendo que Bush se parece com Hitler. Não concordo com isso, por uma única razão: Hitler foi eleito".

Bush, o trapalhão
Estive também em Washington, onde vi o último debate na casa de um professor da Universidade de Maryland. Casa cheia. Todo mundo rindo das escorregadas do presidente e torcendo por Kerry. Mas o que me espantou foi o bom comportamento de Kerry.
Já as trapalhadas de Bush chamam mais a atenção do americano médio. E aqui quase todo mundo é americano médio.
Eu pretendo ver a apuração da complicada eleição americana pela televisão num "irish bar", típico daqui, mas acho que terei uma decepção. Segundo algumas previsões, a eleição será decidida novamente na Flórida e, talvez, no tapetão, e aí Bush leva mais uma. Michael Moore já pode preparar outro "Farenheit".
É o voto dos americanos conservadores ou neoconservadores. Para os ouvidos brasileiros, em especial pós-Constituição de 1988, soa estranho um candidato se dizer conservador. No Brasil, nem Paulo Maluf nem Antonio Carlos Magalhães assumem. Aqui não. Quem é conservador enche a boca. Não há esse problema de consciência do direitista brasileiro em ser rico e conservador.
A situação de Bush não é muito confortável. Neste momento, há problemas com a vacina antigripe -o governo não comprou doses suficientes para os milhões de americanos. E, óbvio, há o Iraque, com seu milhar de americanos mortos e com os soldados que se recusaram a cumprir uma ordem por considerá-la perigosa.
Com toda a polarização, porém, não vai ser fácil convencer os americanos a votar. Eles costumam preferir o "shopping" ao "voting".
E ainda por cima há os mais de 100 milhões de evangélicos que acreditam no lero de Pat Robertson, dono do Christian Broadcasting Network: cristão deve votar em Bush, porque ele fala direto com Deus.


Antonio Pedro Tota é doutor em história pela USP e titular do Departamento de história da PUC-SP. É autor do livro "O Imperialismo Sedutor" (Companhia das Letras). Está nos EUA como bolsista da Fundação Rockefeller para produzir um livro sobre a americanização do Brasil na Guerra Fria.


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