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OLHAR BRASILEIRO
"Shopping" supera o "voting"
ANTONIO PEDRO TOTA
Se depender de Nova York,
Bush está perdido. Mas Nova
York não é exatamente os EUA.
Não há "red necks". É uma cidade
liberal, segundo os padrões americanos. Há entusiasmo nas ruas,
muitos homens e mulheres de todas as idades com listas pedindo
que as pessoas se registrem para
votar. Todos com a "blue tag" do
Partido Democrata.
Nova York parece que recuperou um pouco a alegria de viver,
depois do 11 de Setembro. Tem
um ar de festa. Quase todo mundo com os buttons do senador
John Kerry.
Em alguns vagões do metrô, os
avisos de "Não segure a porta" foram substituídos por "Não colonize o Iraque". Um sindicato encheu o metrô de cartazes cobrando um "New New Deal", numa referência ao programa de recuperação de Franklin D. Roosevelt na
década de 30, com forte interferência do Estado na economia.
Exatamente o contrário da política de Bush.
Na estação de rádio local pública da cidade, Paulo Krasner, um
conhecido crítico, fez uma piada
que pode ser traduzida assim:
"Alguns caras andam dizendo
que Bush se parece com Hitler.
Não concordo com isso, por uma
única razão: Hitler foi eleito".
Bush, o trapalhão
Estive também em Washington,
onde vi o último debate na casa de
um professor da Universidade de
Maryland. Casa cheia. Todo mundo rindo das escorregadas do presidente e torcendo por Kerry. Mas
o que me espantou foi o bom
comportamento de Kerry.
Já as trapalhadas de Bush chamam mais a atenção do americano médio. E aqui quase todo
mundo é americano médio.
Eu pretendo ver a apuração da
complicada eleição americana pela televisão num "irish bar", típico
daqui, mas acho que terei uma decepção. Segundo algumas previsões, a eleição será decidida novamente na Flórida e, talvez, no tapetão, e aí Bush leva mais uma.
Michael Moore já pode preparar
outro "Farenheit".
É o voto dos americanos conservadores ou neoconservadores.
Para os ouvidos brasileiros, em
especial pós-Constituição de
1988, soa estranho um candidato
se dizer conservador. No Brasil,
nem Paulo Maluf nem Antonio
Carlos Magalhães assumem. Aqui
não. Quem é conservador enche a
boca. Não há esse problema de
consciência do direitista brasileiro em ser rico e conservador.
A situação de Bush não é muito
confortável. Neste momento, há
problemas com a vacina antigripe
-o governo não comprou doses
suficientes para os milhões de
americanos. E, óbvio, há o Iraque,
com seu milhar de americanos
mortos e com os soldados que se
recusaram a cumprir uma ordem
por considerá-la perigosa.
Com toda a polarização, porém,
não vai ser fácil convencer os
americanos a votar. Eles costumam preferir o "shopping" ao
"voting".
E ainda por cima há os mais de
100 milhões de evangélicos que
acreditam no lero de Pat Robertson, dono do Christian Broadcasting Network: cristão deve votar
em Bush, porque ele fala direto
com Deus.
Antonio Pedro Tota é doutor em história pela USP e titular do Departamento
de história da PUC-SP. É autor do livro "O
Imperialismo Sedutor" (Companhia das
Letras). Está nos EUA como bolsista da
Fundação Rockefeller para produzir um
livro sobre a americanização do Brasil na
Guerra Fria.
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