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ANÁLISE
População só queria pôr fim à corrupção
QUENTIN PEEL
DO "FINANCIAL TIMES"
Pobre Ucrânia. Há séculos essa
grande planície fértil vem sendo
campo de batalha de outros povos
-russos, poloneses, lituanos, alemães. Então, 13 anos atrás, a implosão da União Soviética lhe
trouxe a independência nacional,
condição com a qual sua população sonhava, mas que não imaginava seriamente conseguir.
Agora, o país parece mais uma
vez estar destinado a se transformar em zona de confronto entre
forças externas, em linha divisória
entre a Rússia e o Ocidente.
O mundo externo toma partido,
enquanto os eleitores ludibriados
da Ucrânia saem às ruas às dezenas de milhares, exigindo uma recontagem dos votos que dê a vitória a Viktor Yushchenko, o candidato presidencial da oposição.
A Europa e os EUA dizem que
foi a Rússia que começou (o problema), interferindo abertamente
na campanha eleitoral ao apoiar
Viktor Yanukovich, primeiro-ministro atual. O presidente russo,
Vladimir Putin, foi à Ucrânia
duas vezes para que sua mensagem fosse ouvida claramente.
Desde que a URSS se desfez, os
russos de todas as crenças políticas têm dificuldade em aceitar
que a Ucrânia se separou da mãe
pátria. A maioria dos russos vê a
independência da Ucrânia como
aberração, algo a ser corrigido.
Que um governo de Moscou deixe claro quem é seu candidato
presidencial em Kiev é algo visto
pelos russos como natural.
Os EUA e a União Européia estão, de certa maneira, criando
condições propícias para essa reação russa. Eles não fizeram segredo de sua preferência por Yushchenko, visto como "pró-ocidental". Nesta semana, Putin deu sua
resposta. Em seus atos, ele parece
estar dizendo: "Não vamos deixar
que Yushchenko ganhe".
A reativação de um confronto
ao estilo da Guerra Fria coloca os
ucranianos num dilema angustiante. Eles não podem dar-se ao
luxo de optar entre Oriente e Ocidente, mas, contrariando seus
próprios desejos, estão sendo forçados a fazer essa opção.
Para a maioria dos ucranianos,
a eleição não dizia respeito a ser
pró ou anti-Rússia. Ela era questão, sobretudo, de expulsar uma
clique corrupta do poder. Mas a
clique se originava da parte oriental do país, de idioma russo.
Não há dúvidas de que houve
fraude na eleição. Na região de
Donetsk, de língua predominantemente russa e habitada por 5
milhões de pessoas, 97% dos votos teriam sido de Yanukovich.
O país está dividido entre seu lado ocidental e nacionalista, em
torno de Lviv, e sua parte oriental,
de língua majoritariamente russa,
centrada em Kharkov e na região
de Donbass, produtora de carvão
mineral. Mas a extensão dessa divisão pode ser exagerada -e é
provável que o tenha sido, em
grande medida em função da intervenção russa.
Os defensores de Yushchenko
não votaram pela entrada imediata da Ucrânia na Otan ou na
União Européia. Yushchenko
chegou a declarar que retiraria as
tropas ucranianas do Iraque, gesto hostil a Washington. Mas, pelo
fato de ele representar uma atitude mais liberal, pró-mercado, levou sua campanha a ganhar uma
dimensão involuntariamente
pró-ocidental.
Os embaixadores da Ucrânia
em todos os países da UE foram
convocados para ouvir protestos
contra a fraude eleitoral. Mas alguns desses protestos talvez sejam
pouco enfáticos. É provável que
os países da União Européia tenham menos dificuldade em conviver com uma vitória de Yanukovich do que com a de Yushchenko. Os grandes da UE não
querem enfurecer Putin desnecessariamente.
Um governo ucraniano liberal e
de tendência ocidental esperaria
obter apoio financeiro substancial
da UE para ajudar na reconstrução das instituições e da economia do país. Também esperaria
ter uma perspectiva clara de tornar-se membro da UE. Mas Günter Verheugen, ex-comissário europeu encarregado da ampliação
do bloco, tinha o hábito de dizer
que a Ucrânia deveria ter "uma
perspectiva européia, mas não
uma perspectiva de tornar-se
membro da UE" nos próximos 20
anos, pelo menos.
A realidade dura e inescapável é
que os ucranianos estão, em grande medida, por conta própria, sozinhos. O que precisam é de tempo e espaço para colocar sua casa
em ordem.
A melhor coisa que a Europa e
os EUA poderiam fazer seria convencer Putin a afastar-se e deixar
que a Ucrânia cuide dela mesma.
Esse trabalho de convencimento
pode não ser fácil.
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