São Paulo, sábado, 26 de novembro de 2005

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ORIENTE MÉDIO

No Brasil para pedir apoio à investigação sobre morte do pai, líder libanês diz que grupo não é terrorista

Filho de Hariri defende ação do Hizbollah

MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

Se recebesse uma ligação do premiê israelense, Ariel Sharon, propondo negociações de paz, o deputado libanês Saad Hariri diria que é engano. A reação, embora dita de forma irônica, mostra que, mesmo com o fim da presença síria no país em abril, após quase 30 anos, permanece no Líbano um sentimento de dependência.
Não mais de Damasco, mas do consenso árabe, que impõe uma solução coletiva para o conflito com Israel e apóia a ação de "resistência" de grupos como o Hizbollah, que figura na lista do terror do governo americano. Hariri, 35, veio ao Brasil pedir apoio ao presidente Lula às investigações da ONU sobre o assassinato de seu pai, o premiê Rafik Hariri (1992-98 e 2000-04), em fevereiro. Ao contrário da comissão, para a qual o atentado não seria possível sem o aval da Síria, Hariri não aponta o dedo para Damasco, preferindo a cautela enquanto espera o resultado da investigação.
A seguir, trechos da entrevista de Hariri à Folha, concedida ontem em São Paulo.

 

Folha - Quem matou Rafik Hariri e por que?
Rafik Hariri -
Há uma comissão da ONU encarregada de investigar o assassinato, e eles apontaram suspeitos. Quer aponte culpados libaneses ou sírios, sua conclusão será aceita por mim.

Folha - O relatório joga suspeitas sobre altos dirigentes do regime. Que interesse a Síria teria em matar seu pai?
Hariri -
Está além da minha compreensão. Meu pai não incomodava o regime sírio, fazia o que era melhor para o Líbano. Ele tinha a sua opinião e a dizia.

Folha - O sr. acha que poderia haver envolvimento do regime sírio sem o conhecimento do presidente Bashar al Assad, como ele alega?
Hariri -
Não sei. Não sei como funciona o regime nem como eles chegariam a uma decisão como essa. Creio que a investigação da ONU chegará às respostas certas.

Folha - Por que o sr., diferentemente de EUA, França e Reino Unido, foi contra a aplicação de sanções econômicas contra a Síria?
Hariri -
Nós nos preocupamos com o povo sírio. Os povos sírio e libanês são parte de uma mesma cultura.

Folha - O presidente Assad disse que o relatório é politizado e que há uma conspiração contra a Síria. O que o sr. acha disso?
Hariri -
Às vezes a verdade dói. E para encarar a realidade é preciso coragem. Espero que a Síria coopere, pelo interesse de todos.

Folha - Como fica o envolvimento da Síria no Líbano?
Hariri -
Estamos tentando criar uma rede de segurança no Líbano, que impeça interferências.

Folha - Houve quem temesse pela volta da guerra civil após o assassinato de Hariri, o que não ocorreu. Mas ainda há tensão. Por que?
Hariri -
A guerra civil acabou e não voltaremos a ela. Há algumas tensões políticas porque o Líbano, pela primeira vez em 30 anos de dominação [externa], está se governando.

Folha - Qual é sua opinião sobre o Hizbollah, que está na lista de grupos terroristas dos EUA? Deveria ser desarmado?
Hariri -
O Hizbollah é um partido libanês. Você tem de entender que o Hizbollah tem um eleitorado de cerca de 500 mil pessoas. Sua resistência é necessária. O fato é que temos uma terra ocupada [por Israel] e que precisa ser libertada. Não somos a favor do desarmamento do Hizbollah por si só. Precisamos de uma discussão e de tempo para estabilizar o país.

Folha - Esse diálogo incluiria forças externas, como Israel?
Hariri -
Todos os países árabes querem a paz com Israel. Mas não seremos os primeiros a assinar um acordo. Veja a situação dos palestinos. Por serem fracos, não conseguem negociar.

Folha - Por que o sr., que era crítico à presença síria no Líbano, se aliou a grupos ligados a Damasco?
Hariri -
O Amal e o Hizbollah representam grande fatia do eleitorado. Não podemos excluí-los.

Folha - Como o sr. vê a política americana de incentivar a democracia no mundo árabe?
Hariri -
Todo povo tem direito de decidir seu destino, mas cada um tem seu próprio ritmo. Os EUA têm boas intenções, mas péssimos meios de implementá-las.

Folha - Se o seu telefone tocasse agora e fosse Sharon, propondo negociar a paz, o que o sr. diria?
Hariri -
Diria que é engano.


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