São Paulo, sábado, 26 de novembro de 2005 |
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ÁFRICA Governantes como o ugandense Yoweri Museveni podem ficar aquém das expectativas, mas têm méritos antes impensáveis Novos líderes criam "democracia à africana"
MARC LACEY
Mas esses líderes, saudados por Washington e outras capitais como salvadores da África, cada vez mais são vistos como meros mortais. "Não acho que Museveni tenha sido o líder que o mundo pensou que fosse", disse Proscovia Salaamu Musumba, vice-presidente do grupo oposicionista ugandense Fórum pela Mudança Democrática. "Foi uma ilusão." O consenso geral é que, hoje, a corrupção é menos flagrante do que era nos governos anteriores, e as prisões dos opositores se tornaram muito menos frequentes. "Eles (os governantes atuais) são melhores do que os anteriores, mas são iguais a estes em seu desejo premente de permanecer no poder", opinou Ted Dagne, analista da África junto ao Serviço de Pesquisas do Congresso, em Washington. Para ele, a política dos EUA para a África se concentra demais em personalidades, o que ele vê como erro político. Possivelmente a mais destacada e ambígua dessas personalidades seja Museveni. Ao mesmo tempo em que Uganda se prepara para sua primeira eleição presidencial multipartidária desde sua chegada ao poder, na semana passada o governo prendeu o principal líder oposicionista, Kizza Besigye, sob acusação de traição. Besigye voltou a seu país no mês passado, do exílio. Foi recebido por multidões entusiasmadas e declarou-se candidato. Agora está na prisão de segurança máxima de Campala. A imprensa ugandense, independente e combativa, freqüentemente incorre a ira do presidente, algo que ocorre em democracias de todo o mundo. Mas Museveni às vezes exagera na dose. Seu governo exigiu que o jornal independente "O Monitor" se retrate por um artigo sugerindo que o presidente tenha oferecido o comando do Exército ao irmão, que recusou, antes de escolher outro nome. Se o jornal não se retratar, corre o risco de sofrer sanções. O governo também vem pressionando o jornal a demitir o repórter Andrew Mwenda, que já enfrenta acusações de sedição por artigos que irritaram ao presidente. Recentemente a polícia invadiu a gráfica em que o jornal é impresso, fazendo objeções a um anúncio que visava levantar fundos para a defesa legal de Besigye. Mas Uganda ao menos tem uma imprensa independente, situação muito diferente do que acontece na Eritréia, onde há jornalistas na cadeia ou na clandestinidade e nenhuma voz é ouvida exceto a do presidente Isaias Afwerki. Também ele já foi, no passado, um "filho" favorito de Washington. Nos países africanos, a presidência deixou de ser o cargo vitalício que foi no passado. No Quênia, Mwai Kibaki derrotou o partido governista em 2002 e, nesta semana, sofreu um voto de não-confiança que pode obrigá-lo a deixar o poder. Em outra prova de que os tempos mudaram, 15 ex-chefes de Estado africanos se reuniram no Mali alguns meses atrás para debater o papel que líderes que deixaram o poder podem desempenhar, fora do governo, para melhorar a situação da África. Museveni está a ponto de entrar para esse grupo. Mas, com seu segundo e supostamente último mandato perto do fim, ele buscou derrubar os dispositivos constitucionais que limitam a permanência no poder, de modo a poder candidatar-se no próximo ano. Resta no ar uma pergunta: se existe uma coisa chamada democracia africana. Não se trata de um oximoro total. Os governantes africanos enfrentam desafios extraordinários. Eles conquistaram o direito de definir a democracia à sua própria maneira e à maneira de seus países -desde que, nesse processo, não a descartem. Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Ásia: Explosão em usina na China pode gerar novo vazamento Próximo Texto: Diplomacia: Até que ponto o Irã é perigo para o mundo Índice |
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