São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2006

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Na Turquia, Bento 16 tenta reconciliação

Papa iniciará terça visita ao país 99% muçulmano ainda sob o impacto de sua polêmica citação sobre o profeta Maomé

Agenda do pontífice prevê encontros com o patriarca ortodoxo e com um premiê receoso do impacto da visita em período pré-eleitoral p

France Presse
Mulher acompanha missa em igreja em Istambul, às vésperas da primeira visita de Bento 16 à Turquia, onde católicos são minoria


JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Vaticano, por meio do Ofício de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice, publicou há 15 dias uma pequena brochura com a detalhada enumeração dos cinco compromissos religiosos que Bento 16 cumprirá na Turquia entre terça e sexta-feira desta semana.
A agenda de quatro dias, com 16 compromissos, três discursos, duas homilias e duas saudações, tem como ponto central -e foi o próprio papa quem disse na semana passada- dar possivelmente um novo passo na direção da unidade cristã.
Referia-se a seus dois encontros com o patriarca Bartolomeu 1º, chefe da igreja ortodoxa, criada a partir de uma cisão em 1054. Ambos assinarão uma declaração conjunta na quinta pela manhã. O responsável por questões ecumênicas do Vaticano, cardeal Walter Kasper, diz ser essa a ênfase.
A visita a uma mesquita -possivelmente a de Sultanahmet, ou Mesquita Azul, em Istambul- estava em discussão.
Há uma penca de outros problemas nessa quinta viagem ao exterior de Bento 16 e sua primeira a um país majoritariamente islâmico (99% dos turcos são muçulmanos), onde os católicos são inexpressiva minoria: 30 mil de 73 milhões.
O principal deles está em calafetar o que restou da única verdadeira crise de seus 19 meses de pontificado, com as reações muçulmanas, em setembro último, a uma conferência que fez na Universidade de Regensburg em visita à Alemanha.
Ele citou, sem endossá-lo, um imperador bizantino do século 15, que criticou o profeta Maomé por "sua ordem para espalhar a fé que pregava pelo medo da espada".
Sua suposta "ofensa ao islã" voltou agora a repercutir. Um dos partidos islâmicos convocou para hoje uma grande manifestação de protesto em Istambul. Cerca de 75 mil pessoas deverão chegar à cidade em ônibus fretados.
Nesta semana, pelo mesmo motivo, um grupo de 39 muçulmanos extremistas ocupou Santa Sofia -igreja construída no século 6 pelo imperador Justiniano, transformada em mesquita com a chegada dos otomanos em 1453 e convertida em museu desde 1935.

Intolerância
O porta-voz da polícia turca, Ismail Caliskan, disse anteontem que a Turquia estaria em evidência pela presença do papa e que as provas de radicalismo e intolerância prejudicariam a imagem internacional.
Mas a advertência definitiva, por tocar numa corda bem mais sensível, partiu do patriarca ortodoxo. Bartolomeu 1º -cuja autoridade espiritual não é plenamente aceita pelos ortodoxos russos- disse, em outras palavras, que a Turquia, em caso de protestos barulhentos, passaria a imagem de intolerância e, ao demonstrar um "choque entre civilizações", comprometeria sua candidatura à União Européia.
O curioso é que o exemplo mais mesquinho de intolerância veio da mais importante autoridade política do país, o premiê Tayyip Erdogan.
Ele tinha agendada, desde fevereiro, sua participação numa reunião de cúpula da Otan (aliança militar ocidental), em Riga, capital da Letônia. Disse seguidamente que, por questões de agenda, não poderia se encontrar com o papa. Só anteontem afirmou que, depois de amanhã, atrasaria seu embarque e esperaria a chegada do avião de Bento 16 a Ancara.
O país vota em abril para renovar o Parlamento. Erdogan acredita que encontrar "o papa que ofendeu os muçulmanos" traria prejuízo eleitoral.
Dependendo do exegeta, o papa tem relações menos ou mais amistosas com a Turquia muçulmana. Em 2004, o então cardeal Joseph Alois Ratzinger se opôs ao seu ingresso na UE, em razão de incompatibilidades religiosas e culturais.
Já pontífice, declarou em agosto de 2005 "que o diálogo entre cristãos e muçulmanos não pode ser reduzido a uma opção circunstancial". "Queremos a via da reconciliação, aprendendo a conviver com o respeito da identidade alheia."
A citação foi retomada pelo secretário de Estado, cardeal Tarcisio Bertone, em meio ao burburinho gerado pela conferência de Regensburg.
Bento 16 é um político hábil. Já na terça-feira, ao desembarcar, terá como primeiro compromisso a visita ao mausoléu de Mustafá Kemal Ataturk (1881-1938), arquiteto da Turquia moderna e de sua ocidentalização autoritária.
No capítulo ecumênico, visitará o patriarca armênio, Mesrob 2, o metropolita Sírio-Ortodoxo e o Grão-Rabino da Turquia. E, ainda na terça, discursará ao ser recebido por Ali Bardakoglu, clérigo muçulmano responsável no governo local pelos assuntos religiosos.
Os textos do Vaticano e de agências de notícias a ele ligados, como a Zenit, põem também em destaque a passagem do papa por Éfeso, com a única missa em céu aberto, no local em que a Virgem Maria teria passado seus últimos anos.
Os últimos três últimos papas também passaram pela Turquia. João 23 foi núncio apostólico por nove anos. Paulo 6º visitou o país em 1967, e João Paulo 2º, em 1979.


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