São Paulo, Domingo, 26 de Dezembro de 1999


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EX-IMPÉRIO
Professor analisa entrega de Macau à China

Macau marca fim de era em Portugal

FRANÇOIS MUSSEAU
do "Libération"

Portugal cometeu "erros enormes" em seu processo de descolonização. Mas o fim do domínio português em Macau, na semana passada, foi mais digno do que a saída portuguesa da África e marcou o fim de uma era para Portugal, diz Eduardo Prada Coelho, editorialista do diário português "Público" e professor de Ciências da Comunicação na Nova Universidade de Lisboa.
Em entrevista ao "Libération", ele analisa o impacto do fim da era colonial portuguesa.

Pergunta - Com a devolução de Macau, o império colonial português deixa de existir. Como isso está sendo visto?
Eduardo Prada Coelho -
Para as massas, com perfeita indiferença. Os laços com Macau se tornaram muito fracos.
É certo que as cerimônias oficiais talvez tenham causado certo pesar. Mas a devolução causou, mais do que tudo, a satisfação de termos negociado o processo de forma prudente e ponderada.
Depois do drama de Timor Leste, vivido aqui de maneira intensa, isso é um consolo. É uma partida digna e pacífica. E Portugal é hoje menor do que nunca. É o final de um ciclo, uma longa página de nossa História agora fechada.
Em Portugal, é hora de fechar o balanço da descolonização, muitas vezes difícil, cujos problemas estão ainda frescos na memória.
Para nós, a grande dor foi a perda das principais colônias (Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Timor Leste) logo depois da Revolução dos Cravos, em 1974.
Partimos precipitadamente, sem atentar à situação que deixamos. Entre a anexação de Timor pela Indonésia e a sangrenta guerra civil de Angola, não podemos dizer que temos um retrospecto brilhante. Erros enormes foram cometidos, isso é inegável. Mas, na época, tudo transcorreu muito rápido. O aspecto positivo é a integração dos "retornados", os imigrantes de Angola e de Moçambique. Voltando a Portugal, eles logo se adaptaram, e desempenham um papel importante na esfera política, no mundo das empresas ou na mídia.

Pergunta - Os portugueses aprenderam a lidar com a descolonização?
Prada Coelho -
Acredito que não haverá jamais essa reconciliação. Temos um pacto de silêncio tácito. Depois da ditadura Salazar, Mário Soares, o "pai" da transição democrática, fez uma escolha decisiva para Portugal: entre o papel de vanguarda no Terceiro Mundo e o de retaguarda na Europa, optou pelo segundo.
Isso implica esquecer muita coisa. Mas os acontecimentos de Timor provocaram aqui, de modo emocional e não ideológico, uma catarse coletiva sem precedentes. Não só a solidariedade portuguesa por Timor, fortemente ressaltada pela mídia, nos permitiu liberar o peso que tínhamos na consciência, mas também desempenhar um papel atuante que nos deu motivo de orgulho.
Estamos convencidos, em Portugal, de que as grandes manifestações populares e o papel do primeiro-ministro Guterres junto a Clinton provocaram a intervenção da ONU. Depois da impotência frente à tragédia angolana, por fim pudemos nos sentir parte dos protagonistas úteis, dos porta-estandartes da consciência mundial perante o cinismo.

Pergunta - Que laços restam com as colônias?
Prada Coelho -
A descolonização agora ficou para trás, e creio que hoje em dia é muito mais fácil reforçar esses laços. No plano político, estamos começando. Criou-se uma Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que alguns vêem como uma espécie de "Commonwealth lusa". Ainda embrionária, essa comunidade sediada em Lisboa progride lentamente.
O principal obstáculo é que o Brasil, um parceiro essencial que se vê como grande potência, não aderiu verdadeiramente à idéia. Pode-se perceber a tendência claramente nas comemorações dos 500 anos do descobrimento brasileiro. Brasília se recusa a reconhecer Portugal como pai do país e fala de influências "mistas".
No que concerne à cooperação cultural, Portugal se esforça, mas ficamos limitados por nossa fragilidade econômica. Além do patrimônio da língua e da religião, ainda restam laços afetivos muito fortes. As campanhas de solidariedade para com as ex-colônias funcionam bem. Por intermédio da música e da literatura, sobretudo, eles estão muito presentes.
Isso pode parecer apenas circunstancial, mas em Angola ou Cabo Verde temos muitos torcedores dos clubes de futebol portugueses como o Sporting de Lisboa e o Benfica.

Pergunta - Portugal aceitou que hoje é apenas um pequeno país?
Prada Coelho -
Com certeza. E, aqui, todo mundo está consciente da oportunidade histórica que a Europa constitui. Os portugueses, em seu conjunto, se orgulham muito de fazer parte da Europa e têm consciência daquilo que a União Européia lhes dá em termos de infra-estrutura e de crescimento econômico.
Quanto à evolução histórica, não esqueço jamais a frase de nosso grande escritor Fernando Pessoa, "depois das grandes descobertas, aos portugueses resta o desemprego".



Tradução de Paulo Migliacci

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