São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 2002

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VENEZUELA EM CRISE

Para ex-prefeito, Brasil mostra "inclinação" pró-Chávez; "oposição não tem legitimidade", diz enviado de Lula

Ajuda brasileira é "intromissão", diz oposição

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

A possibilidade de o Brasil enviar gasolina à Venezuela, para minimizar a crise de desabastecimento provocada pela greve geral iniciada no dia 2, é considerada pela oposição ao presidente Hugo Chávez "uma intromissão indevida nos assuntos internos do país".
O pedido de ajuda foi feito por Chávez na semana passada a Marco Aurélio Garcia, secretário municipal da Cultura de São Paulo e enviado especial do presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, a Caracas. Na segunda-feira, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse que há possibilidade de o pedido ser atendido.
Para o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma, a visita de Garcia indicou uma "inclinação em favor do governo" (leia texto ao lado). "Isso é uma intromissão nos assuntos internos do nosso país", disse à Folha Ledezma, membro da Coordenação Democrática (associação de partidos e entidades de oposição) e potencial candidato à Presidência numa eventual eleição antecipada.
Críticas semelhantes foram feitas pelo deputado Timoteo Zambrano, representante da oposição na mesa de diálogo mediada pela OEA (Organização dos Estados Americanos), e pelo presidente da Fedecámaras (principal associação empresarial do país), Carlos Fernández. "Esse governo de Lula pretende ser um fura-greves, e para nós isso é inaceitável", disse Zambrano à TV venezuelana Globovisión. Para ele, uma possível ajuda brasileira ao governo da Venezuela seria "uma atitude hostil com a outra parte do conflito".
"As decisões do povo não podem ser transgredidas por nenhum governo. Já vimos isso com Cuba e agora com esse senhor [Garcia", que tenta desprestigiar o nosso trabalho", disse Fernández.
Garcia contestou as críticas e disse que "alguns setores da oposição são claramente golpistas, porque trabalham com uma única hipótese: a derrubada do presidente". "Muitos deles estavam envolvidos no golpe de abril [que tirou Chávez da Presidência por dois dias" e só não foram punidos por indulgência do presidente, que preferiu apostar na conciliação", disse ontem à Folha. Para ele, a exigência de neutralidade não cabe num conflito entre "um governo constitucional, eleito democraticamente", e uma oposição "que não tem a legitimidade internacional que pretende ter".
A oposição exige a renúncia de Chávez, cujo mandato vai até 2007, ou a convocação de eleições antecipadas. Eles o acusam de arruinar a economia do país com suas políticas populistas de esquerda. Chávez se diz vítima de um complô golpista, com o apoio dos grandes grupos de mídia do país, por ter acabado com os privilégios das elites que mandaram na Venezuela por décadas.
A greve geral promovida pela oposição tem na indústria petroleira seu principal foco. As exportações de petróleo estão praticamente paralisadas há três semanas, o que já provocou um prejuízo ao país de mais de US$ 1,3 bilhão, segundo o presidente da PDVSA, a gigante estatal do setor. A Venezuela é o quinto maior produtor mundial de petróleo.
Com a maioria das refinarias do país paralisadas, há uma grave crise de desabastecimento, com enormes filas nos postos de gasolina e nos mercados.
Segundo Garcia, a possibilidade de o Brasil enviar gasolina à Venezuela atende a uma inquietação do secretário-geral da OEA, César Gaviria, que há mais de um mês tenta mediar um diálogo entre o governo e a oposição. "Ele me disse temer que uma crise aguda de desabastecimento possa provocar uma situação de violência incontrolável. A oposição quer forçar uma crise a partir do desabastecimento", afirmou. Para ele, os membros da oposição estão "totalmente fora de seu tempo". "Esses cidadãos não estão habituados à vida democrática", disse.
Apesar da retomada pelo governo, nos últimos dias, de alguns petroleiros, a normalização da situação no país parece remota. A oposição diz que manterá a greve até a renúncia de Chávez.
O cardeal-arcebispo de Caracas, dom Ignacio Velasco, pediu ontem, em discurso de Natal, que os venezuelanos "vivam em paz".


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