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São Paulo, segunda-feira, 27 de janeiro de 2003

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IRAQUE NA MIRA

Secretário diz em Davos que o "tempo está se esgotando" ;discursando depois, Lula pede solução negociada

Powell diz que EUA podem agir só e rápido

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, aproveitou ontem a tribuna do encontro anual 2003 do Fórum Econômico Mundial para emitir a mais clara mensagem, até agora, a respeito da iminência de um ataque ao Iraque, mesmo que seja unilateral, ou seja, sem o apoio de aliados estratégicos de Washington, como os países da Europa continental.
"O tempo está se esgotando", repetiu Powell uma e outra vez. Depois, disse: "Nós agiremos mesmo que outros não estejam preparados para juntar-se a nós".
É uma óbvia alusão à resistência principalmente de Alemanha e França, as duas maiores forças européias, a apoiar a pressa norte-americana em tirar do poder o ditador Saddam Hussein.
Powell se disse consciente de que "americanos e europeus nem sempre vêem as coisas da mesma maneira", mas rejeitou a idéia de que as divergências reflitam a arrogância dos Estados Unidos.
"Diferenças não deveriam ser equiparadas com unilateralismo ou arrogância americana. Algumas vezes, diferenças são apenas isso: diferenças", disse.
É uma alusão ao fato de que, no Fórum de Davos (Suíça), houve uma barragem de críticas ao suposto ou real unilateralismo e arrogância norte-americanas, tanto de parte de dirigentes políticos como de acadêmicos e representantes da sociedade civil.
"O multilateralismo não pode se transformar em desculpa para a inação", devolveu Powell.
Mas as críticas, embora veladas, ressurgiram nas perguntas formuladas ao secretário de Estado após o seu discurso.
Irene Khan, da Anistia Internacional, perguntou se a ameaça iraquiana era de fato tão grave e tão iminente a ponto de justificar como resultado "uma maciça crise de direitos humanos".
Lorde Carey de Clifton, arcebispo de Canterbury até o ano passado, perguntou se os Estados Unidos não deveriam usar, além do "poder duro" (as armas), também o "leve" (as idéias e os valores).
"Chega um momento em que apenas o poder duro funciona", respondeu Powell.
É um contraste total com a sua opinião a respeito da Coréia do Norte, outro ponto de tensão: "Os Estados Unidos não têm a intenção de atacar a Coréia do Norte".
O discurso do secretário acabou sendo também uma espécie de sermão ao mundo, ensinando a cada um o que deve fazer.
Aos árabes, pregou "significativas reformas políticas e econômicas". A China "precisa implementar totalmente seus compromissos de abertura de mercado". O Japão "deveria implementar rapidamente o programa de reformas do primeiro-ministro Koizumi". A Europa precisa "pôr em ação uma agenda pró-crescimento, que envolva reformas do mercado de trabalho e da regulação (da economia)".

Lula
Pouco mais de uma hora depois de Powell deixar o palco, a ele subiu o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, com mensagem diametralmente oposta.
"Nossa política externa está firmemente orientada pela busca da paz, pela solução negociada dos conflitos internacionais e pela defesa intransigente de nossos interesses nacionais", disse Lula.
Completou: "A paz é um imperativo da racionalidade. Por isso, defendemos que as controvérsias sejam solucionadas por vias pacíficas e sob a égide das Nações Unidas".
O tema Iraque foi tratado também no encontro de Lula com o ex-presidente norte-americano Bill Clinton.
Pelo que Clinton contou depois, Lula repetiu a tese de que a crise do Iraque tem de ser tratada no âmbito da ONU. "Ele espera que a coisa da ONU ainda funcione, e eu acho que ainda há uma chance de que seja assim", afirmou Clinton.
O ex-presidente foi uma das raras vozes em Davos que não apostou na inevitabilidade de uma guerra. "As pessoas assumem que sabem o que outras vão fazer e estas não o fazem necessariamente", filosofou o antecessor de George W. Bush.

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