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CHOQUE NO ORIENTE MÉDIO
Organização terrorista derrota o Fatah, e seus líderes já fazem declarações desafiadoras a Israel
Governos israelense e americano descartam negociar a paz enquanto o grupo estiver armado
Grupo extremista Hamas surpreende, vence eleição palestina e causa apreensão
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A GAZA
O Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), organização terrorista que cometeu vários atentados suicidas contra civis de Israel nos últimos anos, conquistou
anteontem uma surpreendente e
histórica vitória nas eleições legislativas palestinas. O resultado tem
o potencial de mudar o quadro
político e diplomático do Oriente
Médio.
A vitória do Hamas contrariou
as pesquisas de intenção de voto
ao longo da campanha e as de boca-de-urna, que previram vitória
do Fatah, facção do presidente palestino, Mahmoud Abbas, por pequena margem. O Hamas obteve
76 das 132 cadeiras do Conselho
Legislativo Palestino, o Parlamento. O Fatah ficou com apenas 43.
A conquista do Hamas, que
conduziu uma campanha extremamente organizada e consistente, começou a se esboçar já na manhã de ontem, quando começou a
contagem dos votos.
Anunciando a derrota do Fatah,
movimento histórico fundado
por Iasser Arafat há 41 anos, o
premiê Ahmed Qorei antecipou a
renúncia do gabinete, abrindo caminho para que a festa do Hamas
tomasse conta das ruas de Gaza e
da Cisjordânia.
O presidente Abbas, que continuará no cargo, pois foi eleito em
votação direta em janeiro do ano
passado, disse que a vitória do
Hamas não o impedirá de continuar os esforços para chegar a um
acordo de paz com Israel.
Em discurso pronunciado pouco após o anúncio dos resultados
oficiais, Abbas declarou que iniciaria imediatamente consultas
para a formação do novo governo
sob a liderança do Hamas.
"Estou comprometido em implementar o programa para o
qual vocês me elegeram no ano
passado", disse Abbas, dirigindo-se na televisão à população palestina. "É um programa baseado
em negociações e um acordo pacífico com Israel."
Entretanto as perspectivas de
retomada do processo de paz com
Israel, que já eram sombrias, agora devem sofrer uma paralisação
por tempo indeterminado. Assim
que a vitória do Hamas ficou clara, seus representantes começaram a fazer declarações de desafio
a Israel. "Por um lado, manteremos nossa agenda de resistência.
Por outro, buscaremos implantar
mudanças e reforma na arena palestina", disse o porta-voz do movimento, Sami Abu Zuhri.
Embora estejam impedidos por
Israel de sair de Gaza, os líderes
do Hamas não devem ter dificuldade de participar do Legislativo
palestino, situado em Ramallah,
na Cisjordânia. Nos últimos anos,
diante dos bloqueios determinados por Israel, tornou-se praxe
realizar as sessões do Parlamento
através de videoconferência.
O resultado das eleições foi recebido com grande preocupação
em Israel e em outras partes do
mundo. O premiê interino de Israel, Ehud Olmert, disse que uma
Autoridade Palestina liderada pelo Hamas não pode ser considerada "parceira" no processo de paz.
"Se um governo liderado pelo Hamas, ou no qual o Hamas é parceiro de coalizão, for estabelecido, a
Autoridade Nacional Palestina se
transformará em uma autoridade
que apóia o terror. Israel e o mundo irão ignorá-lo e torná-lo irrelevante", disse.
Seu adversário nas eleições israelenses marcadas para 28 de
março, o líder do Likud, Binyamin Netanyahu, considerou o resultado da eleição palestina uma
ameaça direta a Israel. "O Estado
do Hamastão foi criado diante de
nossos olhos, um satélite do Irã à
imagem do Taleban", disse o líder
do maior partido de direita israelense, aproveitando para criticar a
retirada israelense de Gaza no ano
passado. "A política de retirada
unilateral recompensou o terror
do Hamas."
O presidente dos EUA, George
W. Bush, também demonstrou
preocupação, reiterando que seu
governo não manteria contato
com um governo que prega a destruição de Israel. "Deixei bastante
claro que um partido político que
articula a destruição de Israel como parte de sua plataforma é um
partido com o qual não podemos
lidar", disse Bush na Casa Branca.
"Não vejo como se pode ser um
parceiro na paz defendendo a
destruição de um país."
Embora conste de sua carta de
princípios, a destruição de Israel
não foi mencionada na plataforma de campanha do Hamas, que
preferiu centrar fogo na corrupção e no desmando do governo
palestino e nas promessas de uma
administração limpa. Sua reputação como partido assistencialista
funcionou para impulsionar a
simpatia por seus candidatos,
principalmente em Gaza.
A festa do Hamas se espalhou
pela faixa de Gaza, com carreatas
cobertas de bandeiras verdes e
militantes distribuindo doces e
faixas do movimento.
"Esta é a vitória do povo palestino oprimido por Israel e pela corrupção do Fatah", disse Nasser
Sheikhail, diretor de uma organização beneficente que presta ajuda às famílias dos "mártires" palestinos, como são chamados aqui
os homens-bomba que cometem
atentados contra Israel. Foi em
grande parte graças a serviços como esse, entre outros de caráter
assistencialista, que o Hamas conseguiu, quase 20 anos depois de
fundado, chegar ao governo.
Muitos militantes do Hamas
mal acreditavam que o movimento conseguira obter uma vitória
tão convincente. Para Majed Yussuf, chefe de um comitê do movimento no campo de refugiados de
Ashata, o resultado foi um recado
ao mundo.
"Todos pensavam que os palestinos estivessem conformados
com a opressão, a pobreza e a corrupção. Mas mostramos que podemos reagir", disse, sem esconder para onde era direcionada sua
raiva. "Consideramos Israel um
inimigo e não negociaremos com
ele diretamente. Somente em
uma posição de força, quando recuperarmos nossos territórios."
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