São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

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CHOQUE NO ORIENTE MÉDIO

Organização terrorista derrota o Fatah, e seus líderes já fazem declarações desafiadoras a Israel

Governos israelense e americano descartam negociar a paz enquanto o grupo estiver armado


Grupo extremista Hamas surpreende, vence eleição palestina e causa apreensão

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A GAZA

O Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), organização terrorista que cometeu vários atentados suicidas contra civis de Israel nos últimos anos, conquistou anteontem uma surpreendente e histórica vitória nas eleições legislativas palestinas. O resultado tem o potencial de mudar o quadro político e diplomático do Oriente Médio.
A vitória do Hamas contrariou as pesquisas de intenção de voto ao longo da campanha e as de boca-de-urna, que previram vitória do Fatah, facção do presidente palestino, Mahmoud Abbas, por pequena margem. O Hamas obteve 76 das 132 cadeiras do Conselho Legislativo Palestino, o Parlamento. O Fatah ficou com apenas 43.
A conquista do Hamas, que conduziu uma campanha extremamente organizada e consistente, começou a se esboçar já na manhã de ontem, quando começou a contagem dos votos.
Anunciando a derrota do Fatah, movimento histórico fundado por Iasser Arafat há 41 anos, o premiê Ahmed Qorei antecipou a renúncia do gabinete, abrindo caminho para que a festa do Hamas tomasse conta das ruas de Gaza e da Cisjordânia.
O presidente Abbas, que continuará no cargo, pois foi eleito em votação direta em janeiro do ano passado, disse que a vitória do Hamas não o impedirá de continuar os esforços para chegar a um acordo de paz com Israel.
Em discurso pronunciado pouco após o anúncio dos resultados oficiais, Abbas declarou que iniciaria imediatamente consultas para a formação do novo governo sob a liderança do Hamas.
"Estou comprometido em implementar o programa para o qual vocês me elegeram no ano passado", disse Abbas, dirigindo-se na televisão à população palestina. "É um programa baseado em negociações e um acordo pacífico com Israel."
Entretanto as perspectivas de retomada do processo de paz com Israel, que já eram sombrias, agora devem sofrer uma paralisação por tempo indeterminado. Assim que a vitória do Hamas ficou clara, seus representantes começaram a fazer declarações de desafio a Israel. "Por um lado, manteremos nossa agenda de resistência. Por outro, buscaremos implantar mudanças e reforma na arena palestina", disse o porta-voz do movimento, Sami Abu Zuhri.
Embora estejam impedidos por Israel de sair de Gaza, os líderes do Hamas não devem ter dificuldade de participar do Legislativo palestino, situado em Ramallah, na Cisjordânia. Nos últimos anos, diante dos bloqueios determinados por Israel, tornou-se praxe realizar as sessões do Parlamento através de videoconferência.
O resultado das eleições foi recebido com grande preocupação em Israel e em outras partes do mundo. O premiê interino de Israel, Ehud Olmert, disse que uma Autoridade Palestina liderada pelo Hamas não pode ser considerada "parceira" no processo de paz. "Se um governo liderado pelo Hamas, ou no qual o Hamas é parceiro de coalizão, for estabelecido, a Autoridade Nacional Palestina se transformará em uma autoridade que apóia o terror. Israel e o mundo irão ignorá-lo e torná-lo irrelevante", disse.
Seu adversário nas eleições israelenses marcadas para 28 de março, o líder do Likud, Binyamin Netanyahu, considerou o resultado da eleição palestina uma ameaça direta a Israel. "O Estado do Hamastão foi criado diante de nossos olhos, um satélite do Irã à imagem do Taleban", disse o líder do maior partido de direita israelense, aproveitando para criticar a retirada israelense de Gaza no ano passado. "A política de retirada unilateral recompensou o terror do Hamas."
O presidente dos EUA, George W. Bush, também demonstrou preocupação, reiterando que seu governo não manteria contato com um governo que prega a destruição de Israel. "Deixei bastante claro que um partido político que articula a destruição de Israel como parte de sua plataforma é um partido com o qual não podemos lidar", disse Bush na Casa Branca. "Não vejo como se pode ser um parceiro na paz defendendo a destruição de um país."
Embora conste de sua carta de princípios, a destruição de Israel não foi mencionada na plataforma de campanha do Hamas, que preferiu centrar fogo na corrupção e no desmando do governo palestino e nas promessas de uma administração limpa. Sua reputação como partido assistencialista funcionou para impulsionar a simpatia por seus candidatos, principalmente em Gaza.
A festa do Hamas se espalhou pela faixa de Gaza, com carreatas cobertas de bandeiras verdes e militantes distribuindo doces e faixas do movimento.
"Esta é a vitória do povo palestino oprimido por Israel e pela corrupção do Fatah", disse Nasser Sheikhail, diretor de uma organização beneficente que presta ajuda às famílias dos "mártires" palestinos, como são chamados aqui os homens-bomba que cometem atentados contra Israel. Foi em grande parte graças a serviços como esse, entre outros de caráter assistencialista, que o Hamas conseguiu, quase 20 anos depois de fundado, chegar ao governo.
Muitos militantes do Hamas mal acreditavam que o movimento conseguira obter uma vitória tão convincente. Para Majed Yussuf, chefe de um comitê do movimento no campo de refugiados de Ashata, o resultado foi um recado ao mundo.
"Todos pensavam que os palestinos estivessem conformados com a opressão, a pobreza e a corrupção. Mas mostramos que podemos reagir", disse, sem esconder para onde era direcionada sua raiva. "Consideramos Israel um inimigo e não negociaremos com ele diretamente. Somente em uma posição de força, quando recuperarmos nossos territórios."


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