São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011

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ANÁLISE

Luta por recursos e fracionamento da elite explicam revolta

REGINALDO NASSER
ESPECIAL PARA A FOLHA

O coronel Gaddafi, em recente discurso na televisão estatal da Líbia, acusou Osama bin Laden e sua organização, a Al Qaeda, como responsáveis pelos protestos que ocorrem na Líbia.
Gaddafi acrescentou que jovens só estavam fazendo isso sob a influência de drogas.
É compreensível o desespero de alguém que nunca poderia imaginar que um movimento político espontâneo fosse capaz de colocar em ruína aquilo que foi construído sob assassinatos, torturas e prisões ao longo de mais de quatro décadas.
Mas, como só ocorre com ditaduras, mesmo as que parecem mais sólidas, elas padecem do que seus líderes consideram seus méritos.
Assim, para compreender o vigor que impulsiona a rebelião, é necessário atentar para a própria constituição do Estado e a maneira pela qual fundamentou sua relação com toda a sociedade.
O padrão de dividir para reinar utilizado pelo ditador Gaddafi resultou num emaranhado de ministérios onde se sobrepõem instituições, entidades e fundos.
Tudo isso sob controle de diversos líderes tribais, governadores militares e membros da Guarda Republicana Revolucionária.
O crescimento do investimento estrangeiro durante os últimos anos em um sistema político altamente corrupto teve como consequência a intensificação da luta pelo controle de recursos e o fracionamento das elites.
Tal processo resultou em uma profunda crise no interior do Estado líbio. A exemplo de outros países em desenvolvimento, os aspectos do processo de modernização -educação, tecnologia e comunicação em massa- também resultaram em insatisfação com o regime e criaram expectativa crescente no governo.
Isso pode ser claramente verificado com o estopim da revolta que teve início com o anúncio da realização do "Dia de Fúria".
Convocado pela Conferência Nacional da Oposição da Líbia, em Benghazi, segunda cidade mais populosa da Líbia, o evento conseguiu, de forma inédita, reunir chefes tribais, profissionais liberais, estudantes, religiosos e oficiais aposentados do Exército para exigir reformas.
O mais inesperado, porém, foi o fato de que a dura resposta de Gaddafi fez com que a rebelião se difundisse mais rapidamente, contando com a deserção de altos funcionários do Estado.
Houve também a saída de diplomatas e de importantes segmentos pertencentes ao Exército que são mais leais às tribos a que pertencem do que ao comando militar a que estão subordinados.
Talvez um ex-ministro líbio tenha captado com precisão a singularidade do sistema político montado por Gaddafi quando o comparou à complexidade de uma teia tecida por uma aranha que pode ser dilacerada na ocorrência de um vento fraco.

REGINALDO NASSER é professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (Unesp, Unicamp e PUC).


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