São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011

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ONDA DE REVOLTAS

Rebeliões ressuscitam imagem de "cachorro louco" do ditador líbio

Patrocinador do terror nos anos 70, Gaddafi passou mais de uma década tentando deixar condição de pária

Abertura para negócios com o exterior, porém, não modificou regime personalista e repressão violenta dos opositores


ROGÉRIO ORTEGA
SAMY ADGHIRNI

DE SÃO PAULO

O "cachorro louco" líbio está de volta. Nos anos 80, era essa a expressão usada pelo então presidente dos EUA, Ronald Reagan, para definir Muammar Gaddafi, patrocinador de atentados em todo o globo, como a explosão do voo da Pan Am que matou 270 pessoas em 1988.
Desde o final dos anos 90, porém, o ditador líbio vinha se empenhando em corrigir, aos olhos do Ocidente, a imagem de pária internacional.
Foi bem-sucedido nesse esforço: levantou sanções, atraiu centenas de empresas estrangeiras para explorar as vastas reservas líbias de petróleo e investiu no exterior.
Mas esse "extreme makeover" para o público externo não mudou a natureza de sua ditadura, que começou em setembro de 1969 e é a mais longeva da África: megalomania, culto à personalidade, eliminação de opositores e dissolução de limites entre o Estado e a família do líder.
Tudo isso voltou à tona com os ataques do governo aos manifestantes nos últimos dias; estimativas falam em mais de 1.200 mortos.
"Estamos livres do cão", disse um dos rebeldes que tomaram o leste da Líbia. O "cão", porém, não deu o menor sinal de que pretenda sair.

DIVIDIR PARA REINAR
Na Líbia, o Estado é Gaddafi, autonomeado "guia da revolução". O país não tem Constituição, e o ditador se apoia nas tribos que compõem a base do regime. Para evitar o surgimento de alianças capazes de enfrentá-lo, sempre estimulou divisões.
Segundo Ronald Bruce St John, analista que já publicou sete livros sobre a Líbia, o país tem hoje mais de cem tribos. "Gaddafi as cortejou oferecendo dinheiro, construção subsidiada de casas, bolsas de estudos. Mas as tribos o estão abandonando."
"Uma das marcas de Gaddafi é seu esforço para pulverizar grupos que possam ameaçar seu poder absoluto. Ele dividiu o Exército e a sociedade e até jogou os filhos uns contra os outros", diz a especialista Roxane Farmanfarmaian, de Cambridge.
Vários dos nove filhos do ditador (oito biológicos e um adotado) detêm postos-chave no governo. O segundo, Saif, tido como favorito à sucessão, disputa essa condição com Mutassim, o quarto.
Em 2008, de acordo com despacho dos EUA que vazou para o site WikiLeaks, Mutassim pediu ao chefe da indústria petroleira líbia US$ 1,2 bilhão para montar uma milícia privada à semelhança da dirigida pelo irmão Khamis. Doze anos antes, briga entre os seguranças do irmão mais velho, Mohammad, e de Saadi, ex-jogador de futebol, deixou 20 mortes. Com fama de playboy, o quinto filho, Hannibal, pagou estimados US$ 2 milhões à cantora Beyoncé por show privado em Saint-Barthélemy, nas Antilhas, no Ano-Novo de 2010.

DINHEIRO DO PETRÓLEO
O mesmo ditador que, inspirado pelo pan-arabismo do egípcio Gamal Abdel Nasser (1918-1970), decretou a Líbia uma "república popular socialista" em 1977, oito anos após o golpe que o levou ao poder, chegou a 2011 com cerca de US$ 100 bilhões investidos no mundo todo.
Hoje, há dinheiro líbio na London School of Economics, no Pearson Group (que edita o jornal "Financial Times") e na Juventus, time italiano de futebol, entre inúmeros outros investimentos.
O lucro do petróleo, que explica o crescimento líbio e seu alto Índice de Desenvolvimento Humano, serviu para irrigar com bilhões de dólares, dizem estudiosos, contas secretas de Gaddafi e familiares no golfo Pérsico.

Colaborou AMARO GRASSI

FOLHA.com
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folha.com.br/fg2232


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