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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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Apesar de sua ligação com o colapso do país, modelo neoliberal está presente em candidaturas favoritas

Crise econômica não reduz cacife da direita

DO ENVIADO A BUENOS AIRES

O modelo dito neoliberal ajudou a Argentina a mergulhar na pior crise socioeconômica de sua história ou, na hipótese mais branda, foi incapaz de evitá-la.
Logo, na eleição de hoje, a direita será varrida do mapa e substituída pela esquerda, certo? Errado.
"O fortalecimento de Menem e o crescimento de López Murphy confirmam que o eleitorado está girando mais para a direita do que para a esquerda", diz Rosendo Fraga (Centro de Estudos Nueva Mayoria).
Confirma, ao negar uma eventual ascensão da esquerda, Javier Lindeboim, diretor do Centro de Estudos sobre População, Emprego e Desenvolvimento da UBA (Universidade de Buenos Aires) e pesquisador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas: "Existem poucas opções se o que se procura é atender às necessidades socioeconômicas, garantir o fortalecimento da democracia e impedir o isolamento internacional num mundo cada vez mais injusto".
Conforma-se Lindeboim: "O caminho não é simples em uma sociedade que foi muito maltratada em sua realidade cotidiana e que, ao mesmo tempo, inculcou os conceitos ideológicos contrários a seus próprios interesses".
O fato de que há uma possibilidade de que os dois candidatos que passem para o turno final sejam justamente Menem e López Murphy, adeptos do modelo neoliberal, não é o único elemento a demonstrar que o fracasso da direita pode não afastá-la do poder.
Há pelo menos dois outros:
1) na recente eleição da UIA (União Industrial Argentina), o vencedor foi Alberto Alvarez Gaiani, considerado menemista, com 67% dos votos, contra apenas 33% de Guillermo Gotelli, da Techint, principal grupo econômico do país, tido como "desenvolvimentista" (é óbvio que não há esquerda no empresariado);
2) enquete feita em quatro universidades, entre elas a de Buenos Aires, deu López Murphy em primeiro lugar. No caso da UBA, Murphy teve 25,21% dos votos contra 16,29% de Elisa Carrió, a segunda colocada. A universidade foi historicamente a incubadora da esquerda, inclusive da mais radical, que mergulhou na luta armada nos anos 60 e 70.
É provável, no entanto, que seja imperfeita a percepção de que a direita não perde (ou até ganha) apesar da crise por ela gerada.
Nem o voto em Menem nem o voto em López Murphy parecem ter matriz ideológica muito bem definida.
Menem tem, é verdade, o apoio do que o analista Oscar Raúl Cardoso chama de "viúvas do câmbio fixo", o modelo que barateou o dólar de tal forma que viajar para Miami era o esporte de uma fatia importante dos argentinos.
Mas terá também o apoio dos mais pobres entre os pobres. "Ele se beneficiará de muitos votos dos grupos marginalizados, os mais machucados pela inflação renascida e que se lembram dos anos de absoluta estabilidade de preços assegurada por seu governo", diz Carlos Regúnaga, diretor do escritório de Buenos Aires do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington.
Afinal, os números são contundentes a respeito da devastação social que a inflação provoca e jogam a favor de Menem: quando ele lançou o cambio fixo, em 1991, a pobreza machucava 28,9% dos argentinos. Em outubro de 1994, a última medição oficial antes da crise mexicana que abalaria o modelo argentino, os pobres haviam caído para 16,1%.
É verdade que a ilusão do câmbio fixo acabou sendo, no fundo, a causa da crise que fez a pobreza disparar (hoje, os pobres são 54,3%). Mas não é fácil convencer os pobres de uma relação de causa e efeito tão distante uma da outra.
Parecem preferir acreditar que, "com Menem, se comia, não se saqueava", como disse seu candidato a vice-presidente, Juan Carlos Romero, no comício de encerramento da campanha.
O que pode barrar o caminho de Menem é a suspeita (ou, em alguns setores, a certeza) de que foi um dos governos mais corruptos da história argentina.
Aí é que entra López Murphy: "Há uma percepção de que todos são farinha do mesmo saco, só que López Murphy não roubou", avalia Atílio Borón, sociólogo que dirige o Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais) e não vota em López Murphy.
É de Borón, igualmente, a explicação mais acabada para o fato de a esquerda nunca conseguir firmar-se eleitoralmente na Argentina: "O fenômeno do peronismo provocou uma séria de mudanças na consciência política, entre elas a incapacidade de diferenciar um argumento de direita de um de esquerda". (CLÓVIS ROSSI)


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