São Paulo, terça-feira, 27 de abril de 2010

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ANÁLISE

Eleição é oportunidade perdida

FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO

Sessenta e oito por cento é um índice inteligente para se vencer uma eleição pré-fabricada, a meio caminho entre o limiar da maioria absoluta e as margens impossivelmente esmagadoras que convidam ao deboche, tão comuns no mundo árabe.
Omar al Bashir, o presidente do Sudão reconduzido ontem, esperava sair da primeira eleição multipartidária em 24 anos no maior país da África pondo uma pedra sobre a ameaça de ser preso por crimes cometidos em Darfur, palco do primeiro genocídio do século 21. Não conseguirá.
Os 68% que ele de alguma maneira encontrou lhe dão discurso de que tem a população a seu favor, e não se pode negar o genuíno apoio que recebe no norte árabe, em razão do bom momento da economia. Mas o que fica dessa eleição é uma oportunidade desperdiçada.
Desesperado por uma vitória, Bashir sufocou a campanha da oposição, com um roteiro que é quase um clichê. Tomou para seus anúncios os postes da capital, Cartum, e a TV estatal. Distribuiu comida e documentos de votação. Deu transporte a eleitores analfabetos. Aparelhou a comissão eleitoral.
Tanto fez que levou a oposição a boicotar o evento que serviria de palco ao ditador, no poder desde que deu um golpe de Estado, há 20 anos.
Foi um pleito comprometido, que dá a Bashir fôlego interno e junto a seus colegas déspotas nos mundos árabe, africano e latino-americano. Mas que não muda uma vírgula no conceito que as democracias ocidentais fazem dele. É improvável que o Tribunal Penal Internacional recue da acusação de crimes contra a humanidade.
Nessa situação, Bashir deverá comandar o Sudão nos tempos turbulentos que se anunciam. Noves fora a tensa situação em Darfur, o iceberg da independência do sul do país se aproxima, para janeiro de 2011.
Será curioso saber o curso que a velha raposa seguirá. É certo que não teria pudores morais de reiniciar uma guerra que matou 2 milhões. Mas poderá calcular que o respeito a uma decisão soberana pró-independência do sul lhe dará finalmente o respaldo internacional que busca para sobreviver no cargo outros 20 anos.


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