|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Putin investe na imagem e resgata o "orgulho russo"
Presidente deixa a sisudez de lado, cativa os russos e
impulsiona sua popularidade, apesar da crise no país
JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
EM MOSCOU
O estilo sisudo e reservado de
ex-agente da KGB, o antigo serviço secreto da URSS, começa a
ser deixado de lado. Pouco mais
de um ano depois de ter vencido
as eleições para presidente da
Rússia, Vladimir Putin é outro.
Ou, pelo menos, é outra a imagem que ele está tentando passar.
Como vários líderes do antigo
regime comunista, o atual presidente decidiu investir com força
no culto a sua personalidade. Só
que de um jeito novo para os padrões locais.
O presidente russo tem aparecido em programas de TV e
abordado não apenas projetos
de governo e a situação econômico-social do país, como fazia
até o ano passado, mas também
sua vida pessoal, expondo com
maior frequência sua mulher,
Lyudmila, e suas filhas, Masha e
Katya.
Tenta difundir a imagem de
um homem de família, ""que vive
como todo mundo", conforme
explicação de Andrei Illarianov,
consultor econômico e um dos
principais assessores de Putin,
defensor do novo estilo adotado
pelo líder russo.
O resultado é que, apesar de o
país continuar indo mal, a popularidade do presidente vai bem
-ele é tido como responsável
pelo resgate do "orgulho de ser
russo", segundo pesquisas de
opinião.
""Ele está se expondo ao público como nenhum outro líder da
Rússia ou da ex-União Soviética
se expôs", disse Natalya Timakova, co-autora de um livro sobre o presidente russo.
""Ficamos conversando com
ele, mais de 24 horas, em seis
ocasiões, nas quais pudemos
abordar desde questões pessoais, como família, infância e
privações, até temas políticos,
militares e econômicos", contou
Timakova. "Ele se abriu de uma
maneira impressionante. Nós
perguntávamos o que queríamos, e ele respondia. Sem receio."
Em suas aparições públicas,
não são raras as vezes em que
Putin aparece contando piadas,
boa parte das quais sobre os líderes comunistas da ex-URSS.
Embora diga que costuma usá-las para transmitir ""alguma lição
de vida" a seus compatriotas, as
brincadeiras estão servindo como um toque a mais para ""humanizar o presidente" e aumentar a popularidade de seu governo.
A piada preferida de Putin envolve Leonid Brejnev, que comandou a União Soviética entre
1964 e 1982, período conhecido
como o da ""grande estagnação",
pelo imobilismo e pela corrupção que marcaram sua passagem pelo Kremlin.
""Numa visita à Casa Branca,
ele gostou de uma ponte mostrada por Jimmy Carter [presidente
dos Estados Unidos entre 1977 e
1981". E aí Carter lhe disse: "São
cinco pistas de cada lado, mas,
pelo projeto inicial, seriam dez".
Brejnev ficou assustado e lhe
perguntou: "Onde estão as pistas
que faltam?" Carter lhe respondeu: "Estão todas aqui", e apontou para a mobília da Casa Branca."
"Quando Carter retribuiu à visita e veio a Moscou, Brejnev fez
as honras da casa e lhe mostrou
as principais atrações da cidade.
Depois lhe perguntou: "Viu
aquela ponte monumental?". Assustado, Carter disse que não vira ponte alguma. Mas Brejnev o
acalmou, dizendo que não se
tratava de problema de visão: "É
que ela está toda aqui", explicou,
apontando para o mobiliário do
Kremlin."
Ao contar a piada, Putin pode
dar a impressão de que está
combatendo com eficácia a corrupção no país, uma das principais metas de sua administração.
Mas, pelo jeito, não é bem assim. O combate à corrupção não
é considerado um ponto forte de
seu governo, pelo menos de
acordo com pesquisa encomendada pela TV6, um canal independente, propriedade do empresário Boris Berezovsky, ele
próprio acusado de envolvimento com a máfia russa.
Mais corrupção
Para 45,6% dos entrevistados,
a corrupção hoje na Rússia é tão
forte como há dois anos, antes
de Putin assumir o governo
-ele se tornou presidente em
dezembro de 1999, após a renúncia de Boris Ieltsin, tendo sido
eleito em março do ano passado,
com 52% dos votos, obtidos no
primeiro turno. Para 25,4% dos
que responderam ao questionário, a corrupção aumentou entre
1999 e 2001.
A porcentagem dos que acham
que a corrupção caiu na gestão
de Putin é menor -18,5%. Do
total, 10,5% não quiseram ou
não souberam responder à questão.
A situação econômica da população tampouco melhorou.
De 3.448 pessoas entrevistadas
para a pesquisa, 20,8% disseram
viver hoje em condições piores
do que em 1999, quando o país
tentava se recuperar da grave
crise que o atingira em agosto do
ano anterior, mês em que decretou uma moratória da dívida externa e promoveu violenta desvalorização do rublo.
Para 8,4%, as condições de vida na Rússia de Putin são muito
piores. Dos entrevistados, 39,3%
acham que não houve mudança.
Dizem ter melhorado de vida
16,1%, enquanto 8,2% acham
que melhoraram muito. Não
souberam ou não quiseram responder 7,2%.
Auto-estima
Mesmo assim, a popularidade
de Putin continua em alta. Ainda
de acordo com a pesquisa, por
dois motivos principais. O primeiro, a nova campanha na
Tchetchênia, iniciada em 1999,
pela qual o Exército russo está
combatendo os rebeldes separatistas, recuperando-se da guerra
entre 1994 e 1996, quando teve
que se retirar da região. O segundo, o fato de Putin estar recuperando a auto-estima da população russa.
Para 56,3% dos entrevistados,
a principal característica de Putin é a firmeza na tomada de decisões, enquanto 51,8% dizem
ter orgulho de serem comandados por um líder forte como ele.
""A Rússia tem problemas, mas
ainda é a Rússia", disse à Folha o
engenheiro Valentim Nemtsov,
32, que votou em Putin nas últimas eleições. ""As mudanças têm
de ocorrer, mas não podem ser
tão rápidas assim. A Tchetchênia é um símbolo disso. Se a gente deixasse os tchetchenos se separarem, estaríamos abrindo
uma brecha para a Rússia acabar
de vez. Iríamos ter o mesmo fim
da Iugoslávia."
Youri Tarasov, 21, estudante
de direito, é contrário à campanha na Tchetchênia, mas ainda
assim defende o governo de Putin. ""Internamente, os problemas continuam e vão continuar
por muito tempo. Antes a corrupção era centrada no Estado,
agora se disseminou, porque o
poder econômico se espalhou
também. Mas, externamente,
acho que ele [Putin" está indo
bem. Consegue impor respeito.
Bem ou mal, está mandando um
recado: a Rússia tem de ser ouvida."
É o que também acha a psiquiatra Katerina Franz, 26, que
mora há 18 em Moscou. ""Não
sou contra os Estados Unidos
nem acho que devamos criticá-los por criticá-los. Mas o mundo
precisa de alguém que possa se
contrapor ao que eles dizem. Se a
história do partido único não
deu certo na URSS, por que o
mundo deve ter uma só nação
fazendo as regras?", perguntou.
""Se os outros países não dizem
nada, a Rússia tem de falar. E,
sinceramente, acho que Putin
seria um bom porta-voz."
Texto Anterior: Tony Blair Próximo Texto: Livro promete o "verdadeiro Putin" Índice
|