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RÚSSIA
Autora admite que o presidente, "cutucado", não falou tudo nas entrevistas para a biografia
Livro promete o "verdadeiro Putin"
EM MOSCOU
Um dos primeiros passos para
Putin sair da toca foi a publicação
do livro ""Em Primeira Pessoa - O
Auto-retrato do Presidente Vladimir Putin", pela editora PublicAffairs, de Nova York.
Natalya Timakova, co-autora da
obra, disse à Folha que manteve
seis encontros, num total de 24
horas, com o presidente, além de
reuniões com alguns de seus familiares, amigos e ex-professores.
A partir disso traçou um perfil do
novo líder da Rússia.
Para Timakova, a obra se justifica pela incógnita que até hoje Putin representa para o mundo ocidental. ""Até 1999, se ele era um
desconhecido na Rússia, imagine
fora dela. Quando se tornou premiê e depois presidente, assumindo o controle de uma das maiores
potências do planeta, dona do segundo maior arsenal de armas
nucleares do mundo, é natural
que provocasse curiosidade."
Segundo a autora, não foram
poucos os jornalistas, empresários e políticos ocidentais que pediam aos russos informações sobre o ""verdadeiro Putin". ""E ninguém conseguia responder direito." Afinal, como disse ela, mesmo quando se tornou premiê, no
segundo semestre de 1999, Putin
aparecia com menos de 5% nas
pesquisas de intenção de voto para presidente.
Após os contatos de Timakova,
e dos outros dois autores do livro,
Natalya Gevorkyan e Andrei Kolesnikov, com a assessoria do presidente, foi definido o formato do
livro. ""Nós faríamos as perguntas,
e ele responderia. Não se trata de
uma biografia autorizada ou não-autorizada, mas de uma longa entrevista, uma espécie de "Putin
por Putin", mas com uma coisa
fundamental: as perguntas foram
fortes, não encomendadas."
Segundo ela, o trio de entrevistadores fez o papel de advogado
do diabo. ""Perguntamos o que
achamos que o público gostaria
de saber. Cutucamos até demais."
Gravador desligado
Em algumas ocasiões, porém,
que Timakova não quis dizer
quais foram, Putin ""desligou o
gravador". Mesmo assim, ela acha
que ""o essencial está lá [no livro"".
Dividido em nove capítulos, a
obra começa enfocando a infância do líder russo. Segundo Putin,
sua família era pobre. Seu avô paterno, nascido em São Petersburgo, era cozinheiro e trabalhou numa das dachas (casas de campo)
de Josef Stálin, que comandou a
então URSS entre 1922 e 1953.
Os pais do atual líder russo foram morar num apartamento comunal em São Petersburgo depois da 2ª Guerra Mundial, na
qual o pai de Putin foi ferido, lutando contra os alemães. Seu pai
trabalhava numa fábrica, e a mãe
fazia dupla jornada -era servente num laboratório durante o dia e
entregava pães de madrugada.
O apartamento comunal, onde
Putin nasceria em 1952, era dividido com uma família judia. ""Pelo
que ele contou, foi uma convivência difícil, como é natural que seja
num apartamento comunal", disse a escritora.
O mais curioso, diz, foi o relato
do batismo do presidente. ""A mãe
decidiu batizá-lo, mas o pai, que
pertencia ao Partido Comunista,
não soube de nada. Em 1993,
quando Putin foi numa missão a
Israel, passou no setor cristão da
Cidade Velha [de Jerusalém", levou a cruz do batismo [para ser
abençoada" e disse que nunca
mais deixou de usá-la."
Ela destaca o que chama de
""obstinação" em Putin. ""Sempre
soube o que quis. Desde pequeno
dizia que seria espião da KGB. Foi
praticar esportes e judô em particular pensando no futuro."
Conhecido por amigos e pela família como Volodya, apelido para
Vladimir na Rússia, Putin narra
também os tempos que passou
como estudante de direito na
Universidade de Leningrado, o
namoro com Lyudmila (hoje sua
mulher), que então era aeromoça,
e o trabalho como espião da KGB.
Enviado para Dresden, na então
Alemanha Oriental, Putin diz ter
ficado chocado com o clima de
""fim de mundo" que começava a
tomar conta do país, antecedendo
a queda do Muro de Berlim. Para
ele, o leste alemão lembrava a
URSS nos anos 50, com décadas
de atraso. Mas Lyudmila descreveu a experiência de outra forma.
Para ela, havia mais produtos em
Dresden do que em Moscou ou
São Petersburgo, a cidade era
mais limpa e o nível de vida melhor do que o da Rússia.
Ao relatar a volta à Universidade de Leningrado, deixando o período como espião para trás, Putin contou ter passado por experiências difíceis. Lyudmila quase
morreu num acidente de carro, e
a casa de campo que ele mantinha
para sua família foi destruída em
um incêndio. Em compensação,
Putin foi chamado para trabalhar
com o prefeito Anatoli Sobchak,
dando início a uma rápida e bem-sucedida carreira política.
Na parte final do livro, os autores apresentam trechos das conversas com a mulher e as filhas do
presidente e as opiniões de Putin
sobre assuntos contemporâneos.
""Lyudmila é uma pessoa reservada, tímida, que está começando a
se adaptar ao papel que tem de
desempenhar como primeira-dama", diz Timakova.
Segundo a autora, as filhas de
Putin, pré-adolescentes, também
estão se acostumando com as implicações de sua condição, como,
por exemplo, ter de andar com
guarda-costas. Quando possível,
assistem a filmes de vídeo com o
pai. "O preferido delas era "Matrix", mas o pai não queria ver.
Preferia desenhos animados ou
programas jornalísticos."
(JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO)
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