São Paulo, domingo, 27 de maio de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RÚSSIA

Autora admite que o presidente, "cutucado", não falou tudo nas entrevistas para a biografia

Livro promete o "verdadeiro Putin"

EM MOSCOU

Um dos primeiros passos para Putin sair da toca foi a publicação do livro ""Em Primeira Pessoa - O Auto-retrato do Presidente Vladimir Putin", pela editora PublicAffairs, de Nova York.
Natalya Timakova, co-autora da obra, disse à Folha que manteve seis encontros, num total de 24 horas, com o presidente, além de reuniões com alguns de seus familiares, amigos e ex-professores. A partir disso traçou um perfil do novo líder da Rússia.
Para Timakova, a obra se justifica pela incógnita que até hoje Putin representa para o mundo ocidental. ""Até 1999, se ele era um desconhecido na Rússia, imagine fora dela. Quando se tornou premiê e depois presidente, assumindo o controle de uma das maiores potências do planeta, dona do segundo maior arsenal de armas nucleares do mundo, é natural que provocasse curiosidade."
Segundo a autora, não foram poucos os jornalistas, empresários e políticos ocidentais que pediam aos russos informações sobre o ""verdadeiro Putin". ""E ninguém conseguia responder direito." Afinal, como disse ela, mesmo quando se tornou premiê, no segundo semestre de 1999, Putin aparecia com menos de 5% nas pesquisas de intenção de voto para presidente.
Após os contatos de Timakova, e dos outros dois autores do livro, Natalya Gevorkyan e Andrei Kolesnikov, com a assessoria do presidente, foi definido o formato do livro. ""Nós faríamos as perguntas, e ele responderia. Não se trata de uma biografia autorizada ou não-autorizada, mas de uma longa entrevista, uma espécie de "Putin por Putin", mas com uma coisa fundamental: as perguntas foram fortes, não encomendadas."
Segundo ela, o trio de entrevistadores fez o papel de advogado do diabo. ""Perguntamos o que achamos que o público gostaria de saber. Cutucamos até demais."

Gravador desligado
Em algumas ocasiões, porém, que Timakova não quis dizer quais foram, Putin ""desligou o gravador". Mesmo assim, ela acha que ""o essencial está lá [no livro"".
Dividido em nove capítulos, a obra começa enfocando a infância do líder russo. Segundo Putin, sua família era pobre. Seu avô paterno, nascido em São Petersburgo, era cozinheiro e trabalhou numa das dachas (casas de campo) de Josef Stálin, que comandou a então URSS entre 1922 e 1953.
Os pais do atual líder russo foram morar num apartamento comunal em São Petersburgo depois da 2ª Guerra Mundial, na qual o pai de Putin foi ferido, lutando contra os alemães. Seu pai trabalhava numa fábrica, e a mãe fazia dupla jornada -era servente num laboratório durante o dia e entregava pães de madrugada.
O apartamento comunal, onde Putin nasceria em 1952, era dividido com uma família judia. ""Pelo que ele contou, foi uma convivência difícil, como é natural que seja num apartamento comunal", disse a escritora.
O mais curioso, diz, foi o relato do batismo do presidente. ""A mãe decidiu batizá-lo, mas o pai, que pertencia ao Partido Comunista, não soube de nada. Em 1993, quando Putin foi numa missão a Israel, passou no setor cristão da Cidade Velha [de Jerusalém", levou a cruz do batismo [para ser abençoada" e disse que nunca mais deixou de usá-la."
Ela destaca o que chama de ""obstinação" em Putin. ""Sempre soube o que quis. Desde pequeno dizia que seria espião da KGB. Foi praticar esportes e judô em particular pensando no futuro."
Conhecido por amigos e pela família como Volodya, apelido para Vladimir na Rússia, Putin narra também os tempos que passou como estudante de direito na Universidade de Leningrado, o namoro com Lyudmila (hoje sua mulher), que então era aeromoça, e o trabalho como espião da KGB.
Enviado para Dresden, na então Alemanha Oriental, Putin diz ter ficado chocado com o clima de ""fim de mundo" que começava a tomar conta do país, antecedendo a queda do Muro de Berlim. Para ele, o leste alemão lembrava a URSS nos anos 50, com décadas de atraso. Mas Lyudmila descreveu a experiência de outra forma. Para ela, havia mais produtos em Dresden do que em Moscou ou São Petersburgo, a cidade era mais limpa e o nível de vida melhor do que o da Rússia.
Ao relatar a volta à Universidade de Leningrado, deixando o período como espião para trás, Putin contou ter passado por experiências difíceis. Lyudmila quase morreu num acidente de carro, e a casa de campo que ele mantinha para sua família foi destruída em um incêndio. Em compensação, Putin foi chamado para trabalhar com o prefeito Anatoli Sobchak, dando início a uma rápida e bem-sucedida carreira política.
Na parte final do livro, os autores apresentam trechos das conversas com a mulher e as filhas do presidente e as opiniões de Putin sobre assuntos contemporâneos. ""Lyudmila é uma pessoa reservada, tímida, que está começando a se adaptar ao papel que tem de desempenhar como primeira-dama", diz Timakova.
Segundo a autora, as filhas de Putin, pré-adolescentes, também estão se acostumando com as implicações de sua condição, como, por exemplo, ter de andar com guarda-costas. Quando possível, assistem a filmes de vídeo com o pai. "O preferido delas era "Matrix", mas o pai não queria ver. Preferia desenhos animados ou programas jornalísticos."
(JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO)




Texto Anterior: Rússia: Putin investe na imagem e resgata o "orgulho russo"
Próximo Texto: Reforma aumentará poder do Kremlin
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.