São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIREITOS HUMANOS

Para a ONG, ação nas prisões do país explora discurso da segurança, o mesmo que americanos usam no Iraque

Anistia diz que tortura cresce no Brasil

FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LONDRES

A ação dura das polícias estaduais, principalmente em São Paulo e no Rio, levou a um aumento das violações de direitos humanos, numa forma comparável aos abusos cometidos pelos soldados americanos no Iraque, tendo como pretexto a guerra ao terrorismo.
A acusação foi feita ontem em Londres pela Anistia Internacional, um dos mais influentes grupos de defesa de direitos humanos do mundo, na divulgação de seu relatório anual, compilando violações cometidas em 2003.
"Medidas de segurança adotadas pelos governos estaduais para combater os elevados níveis de criminalidade urbana continuaram a resultar num aumento das violações de direitos humanos. Milhares de pessoas, predominantemente homens jovens, pobres, negros ou pardos, foram mortos em confrontos com a polícia", afirma o relatório.
"O que acontece no Brasil é exatamente o que acontece com relação à situação global. Há totalmente um paralelo", disse Tim Cahill, responsável da Anistia pela parte do relatório referente ao Brasil. "Estamos vendo o uso do discurso de segurança para justificar abusos e repressão. Um grupo social está sendo punido de uma forma geral, em lugar da punição a grupos específicos", afirmou o pesquisador.
Segundo a Anistia, da mesma forma que soldados dos EUA torturaram detentos na prisão iraquiana de Abu Ghraib, em Bagdá, houve um "contínuo aumento da prática de tortura" em razão da ação mais dura das polícias contra integrantes de grupos como Comando Vermelho, no Rio, e Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo.
"Os Estados estão implementando políticas de segurança pública altamente discriminatórias e repressivas. A ação baseada na violação aos direitos humanos fundamentais não traz segurança", disse Cahill.
Autoridades estaduais, na polícia e no Judiciário, são também apontadas como responsáveis pelo aumento da repressão a lideranças de sem-terra, com julgamentos com potencial político, como o do líder José Rainha. Não há comentários sobre a política federal de reforma agrária.
Em parte, diz a ONG, a ação repressiva foi resultado de um "clamor na opinião pública por policiamento mais severo e por mais medidas punitivas judiciais".
"Reconhecemos que a situação é complexa, que os policiais têm um trabalho difícil. Mas, ao mesmo tempo, consideramos que os governos não estão implementando políticas que reformam a polícia", afirmou o pesquisador da Anistia.

Esquadrões da morte
O relatório menciona o fato de que "esquadrões da morte" estão presentes em 15 Estados e que existe uma "crescente impunidade" que protege policiais que matam civis.
A Anistia afirma que houve aumento de 11% em casos de mortes de civis por policiais em São Paulo em 2003 e de 34% no Rio. "Muitas dessas mortes ocorreram em situações que apontavam para o uso excessivo de força ou execuções extrajudiciais."
A Anistia diz que Rio e São Paulo são os Estados em que a repressão policial é mais evidente. Exemplos de ação violenta citados são a morte do chinês Chan Kim Chang no presídio Ary Franco, no Rio, e torturas na Febem de Franco da Rocha, em São Paulo.
O relatório vê também progressos, principalmente com relação a investigações de corrupção no Judiciário e na polícia, em São Paulo e no Espírito Santo. Houve ainda julgamentos "importantes" quanto aos massacres da Candelária e Vigário Geral, no Rio, ambos em 1993.

Lula
A Anistia reserva elogios e críticas ao primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele recebe cumprimentos por ter incluído direitos econômicos e sociais como parte da luta por direitos humanos, principalmente em razão do Fome Zero.
Lula também é elogiado por ter criado o Sistema Único de Segurança Pública, mas a Anistia diz que a demora na implementação é motivo de "certa decepção". A aprovação do Estatuto do Desarmamento, que controla a venda de armas, é um "primeiro passo".
Mas há críticas à política indigenista do governo. "A demora do governo em homologar terras indígenas tem aumentado a vulnerabilidade desses grupos", diz a ONG, que vê "uma escalada nas mortes, intimidações e perseguições a populações indígenas." (FABIO ZANINI)


Texto Anterior: Outro lado: Americanos dizem liderar defesa de direitos humanos
Próximo Texto: Trechos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.