São Paulo, domingo, 27 de maio de 2007

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ARTIGO

Direita insiste na "crispação" que a derrotou

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

A economia espanhola cresce há 14 anos consecutivos. No primeiro trimestre, cresceu 4,1%, o que é muitíssimo para uma economia madura. O Brasil, que, por motivos óbvios, tem necessidade urgente de crescimento muito maior, não passou de 3,7% no ano passado.
Como há uma lenda -ou fato- de que, esgotadas as grandes disputas ideológicas, o eleitorado pensa com o bolso, a eleição municipal e das comunidades autônomas de hoje deveria dar-se sob o mais azul dos céus, certo? Errado. A eleição se dá sob o que a mídia local chama de "crispação". Por quê?
Simples: os conservadores do PP não conseguiram até agora assimilar a derrota nas eleições gerais de 2004, quando perderam o poder que exerciam havia oito anos. Ganhou o PSOE.
Até dá para entender a fúria do PP, embora seja impossível justificá-la: a derrota eleitoral foi um choque tremendo na medida em que, até quatro dias antes do pleito, todas as pesquisas davam os conservadores como favoritos com certa folga.
O que era fácil, de resto, de entender: a Espanha navegava, então, no seu 11º ano de crescimento, oito deles com José María Aznar, que surpreendentemente desistiu de tentar uma terceira vitória consecutiva.
O que mudou tudo foram os atentados aos trens de Madri, que provocaram 191 mortes e um choque proporcional ao tamanho do crime.
O governo do PP cometeu então o erro que lhe custou a eleição: manipulou a informação para tentar vender a idéia de que os atentados eram obra do grupo terrorista basco ETA. Qual era a lógica (igualmente falsa)? A de que o PSOE era brando com o terrorismo e, portanto, se ganhasse a eleição, não perseguiria os autores do atentado com a dureza devida.
Falso: tanto o PP como o PSOE têm políticas mais ou menos semelhantes, de repúdio ao terrorismo, numa ponta, mas de tentativas esporádicas e até agora malsucedidas de diálogo com os setores menos alucinados do nacionalismo basco.
A manipulação não resistiu até o domingo eleitoral (os atentados foram na quinta anterior) ante a chuva de evidências que apontavam para o terrorismo islâmico. Pesou no voto, além do repúdio à manipulação, o fato de que o governo Aznar mergulhara avidamente na aventura da Guerra do Iraque, ao lado dos EUA, apesar da vontade majoritária dos espanhóis, medida em pesquisas, ser visceralmente contra.
Três anos depois, o julgamento dos muçulmanos acusados pelos atentados acabou por coincidir com a campanha eleitoral. Resultado: o PP e seus aliados na mídia espanhola continuam tentando demonstrar uma vinculação ETA/terrorismo islâmico. Não conseguiram nem uma prova débil mas conseguiram acentuar a "crispação" que já vinha de antes porque o PP se acha "roubado" da vitória em 2004.
Até foi roubado mesmo, mas por sua própria culpa, ao manipular a informação.
O pior é que a manipulação continua, na medida em que Aznar, semi-aposentado, semilíder nas sombras do PP, acusa o governo socialista de praticar políticas que levarão o país a outra guerra civil (a anterior durou de 1936 a 1939 e causou a morte de ao menos 1 milhão de pessoas).
É outro delírio como o de 2004. A única violência que vez por outra se pratica na Espanha é de parte do ETA, minoritária ao extremo mesmo no País Basco, como fica demonstrado eleição após eleição.
A única eventual semelhança com os episódios de 70 anos atrás está no título do livro de Hugh Thomas, historiador inglês, sobre o episódio: "Metade da Espanha morreu". Agora, grosso modo, metade da Espanha apóia o PP, a outra metade fica com o PSOE. Mas só disparam sobre o outro lado balas verbais, que causam "crispação" mas não matam.


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