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ARTIGO
Direita insiste na "crispação" que a derrotou
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PARIS
A economia espanhola cresce
há 14 anos consecutivos. No
primeiro trimestre, cresceu
4,1%, o que é muitíssimo para
uma economia madura. O Brasil, que, por motivos óbvios,
tem necessidade urgente de
crescimento muito maior, não
passou de 3,7% no ano passado.
Como há uma lenda -ou fato- de que, esgotadas as grandes disputas ideológicas, o eleitorado pensa com o bolso, a
eleição municipal e das comunidades autônomas de hoje deveria dar-se sob o mais azul dos
céus, certo? Errado. A eleição
se dá sob o que a mídia local
chama de "crispação". Por quê?
Simples: os conservadores do
PP não conseguiram até agora
assimilar a derrota nas eleições
gerais de 2004, quando perderam o poder que exerciam havia oito anos. Ganhou o PSOE.
Até dá para entender a fúria
do PP, embora seja impossível
justificá-la: a derrota eleitoral
foi um choque tremendo na
medida em que, até quatro dias
antes do pleito, todas as pesquisas davam os conservadores como favoritos com certa folga.
O que era fácil, de resto, de
entender: a Espanha navegava,
então, no seu 11º ano de crescimento, oito deles com José María Aznar, que surpreendentemente desistiu de tentar uma
terceira vitória consecutiva.
O que mudou tudo foram os
atentados aos trens de Madri,
que provocaram 191 mortes e
um choque proporcional ao tamanho do crime.
O governo do PP cometeu
então o erro que lhe custou a
eleição: manipulou a informação para tentar vender a idéia
de que os atentados eram obra
do grupo terrorista basco ETA.
Qual era a lógica (igualmente
falsa)? A de que o PSOE era
brando com o terrorismo e,
portanto, se ganhasse a eleição,
não perseguiria os autores do
atentado com a dureza devida.
Falso: tanto o PP como o
PSOE têm políticas mais ou
menos semelhantes, de repúdio ao terrorismo, numa ponta,
mas de tentativas esporádicas e
até agora malsucedidas de diálogo com os setores menos alucinados do nacionalismo basco.
A manipulação não resistiu
até o domingo eleitoral (os
atentados foram na quinta anterior) ante a chuva de evidências que apontavam para o terrorismo islâmico. Pesou no voto, além do repúdio à manipulação, o fato de que o governo
Aznar mergulhara avidamente
na aventura da Guerra do Iraque, ao lado dos EUA, apesar da
vontade majoritária dos espanhóis, medida em pesquisas,
ser visceralmente contra.
Três anos depois, o julgamento dos muçulmanos acusados pelos atentados acabou por
coincidir com a campanha eleitoral. Resultado: o PP e seus
aliados na mídia espanhola
continuam tentando demonstrar uma vinculação ETA/terrorismo islâmico. Não conseguiram nem uma prova débil
mas conseguiram acentuar a
"crispação" que já vinha de antes porque o PP se acha "roubado" da vitória em 2004.
Até foi roubado mesmo, mas
por sua própria culpa, ao manipular a informação.
O pior é que a manipulação
continua, na medida em que
Aznar, semi-aposentado, semilíder nas sombras do PP, acusa
o governo socialista de praticar
políticas que levarão o país a
outra guerra civil (a anterior
durou de 1936 a 1939 e causou a
morte de ao menos 1 milhão de
pessoas).
É outro delírio como o de
2004. A única violência que vez
por outra se pratica na Espanha
é de parte do ETA, minoritária
ao extremo mesmo no País
Basco, como fica demonstrado
eleição após eleição.
A única eventual semelhança
com os episódios de 70 anos
atrás está no título do livro de
Hugh Thomas, historiador inglês, sobre o episódio: "Metade
da Espanha morreu". Agora,
grosso modo, metade da Espanha apóia o PP, a outra metade
fica com o PSOE. Mas só disparam sobre o outro lado balas
verbais, que causam "crispação" mas não matam.
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