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ARTIGO
Liberalização desafia Índia
Líderes do país têm de administrar o descontentamento da população mais pobre com reformas na economia que só lhe serão benéficas no longo prazo
ASHUTOSH VARSHNEY
DA "FOREIGN AFFAIRS"
A Índia está procurando levar a cabo uma transformação
que poucos países na história
moderna conseguiram empreender com sucesso: liberalizar a economia dentro de uma
ordem democrática estabelecida. É difícil fugir da impressão
de que o alinhamento entre os
interesses de mercado e os
princípios democráticos é intranqüilo hoje na Índia. Existem entre as duas coisas tensões que os líderes do país terão
que administrar com cuidado.
O processo de reforma dos
últimos 15 anos vem tendo resultados positivos: a economia
da Índia vive um "boom". Mas a
duração do "boom" vai depender da política democrática da
Índia, país em que o crescimento econômico vem alimentando pressões pela redistribuição
da renda. As teorias econômicas convencionais dizem que o
mercado vai acabar por beneficiar a todos no longo prazo.
Mas perspectivas de longo prazo não são algo que ocorra aos
políticos democráticos, que
precisam concentrar-se em ganhar eleições no curto prazo.
Assim, uma democracia de
baixa renda, como a da Índia,
precisa alimentar as energias
de seus empreendedores e, ao
mesmo tempo, no curto prazo,
responder às suas massas.
Existem dois aspectos do desafio enfrentado pelos reformadores no contexto democrático da Índia: as percepções que
se tem da reforma até agora e o
sofrimento de curto prazo que
provavelmente vai acompanhar as reformas mais profundas que ainda estão por vir.
As reformas econômicas até
agora não afetaram diretamente a vida das massas pobres indianas, e isso vem alimentando
o ressentimento contra as reformas, que a população pobre
acredita terem beneficiado só
as classes alta e média.
Outras reformas pró-mercado -a privatização das empresas do setor público, a implementação de uma política de
emprego do tipo "contratar e
demitir", mudanças na política
agrícola, transformações radicais no pequeno setor industrial e a redução drástica dos
déficits fiscais- podem exercer
efeito direto e, eventualmente,
positivo na vida da grande massa, mas os benefícios de longo
prazo dessas reformas quase
certamente serão acompanhados por sofrimento para os pobres no curto prazo.
As conseqüências eleitorais
dessa probabilidade vêm fazendo com que as reformas orientadas à elite (a facilitação dos
investimentos no setor imobiliário, a desregulamentação do
mercado de ações, a liberalização da aviação civil) continuem
sob o governo indiano atual,
enquanto as reformas mais radicais (mudanças nas leis trabalhistas, privatização de estatais, eliminação de subsídios
agrícolas) estão paradas. Como
resultado, hoje é comum afirmar que a Índia apresenta
"consenso forte em relação a
reformas fracas".
Malabarismos
Embora as restrições democráticas às reformas econômicas indianas estejam começando a vir à tona, não há motivo
para alarme. A democracia indiana representa uma limitação no curto prazo, mas, no longo prazo, é uma vantagem para
os reformistas pró-mercado.
A restrição democrática significa, entretanto, que os reformistas na Índia terão que fazer
malabarismos para realizar
duas tarefas distintas no curto
a médio prazo: levar adiante as
reformas nos setores orientados à elite e reagir às necessidades das massas através de outras intervenções estatais antimercado. E, para que as reformas econômicas de mercado
possam ser empreendidas em
áreas diretamente relevantes
para as massas, os políticos terão que responder como a privatização das empresas públicas, a reforma das leis trabalhistas e o levantamento dos
subsídios agrícolas vão beneficiar as massas. E em quanto
tempo os benefícios chegarão
aos setores mais pobres.
É provável que todas essas
reformas beneficiem o bem-estar das massas no longo prazo.
Assim, para os políticos democráticos, esse problema vai significar efetivamente a tomada
de medidas tais como reservar
uma parte substancial da receita da privatização para a saúde
pública e o ensino fundamental, a construção de redes de segurança para os trabalhadores
conforme as leis trabalhistas
são reformadas e a criação de
um plano para promover uma
segunda revolução verde na
agricultura, em troca da redução dos subsídios agrícolas.
Contudo, embora as políticas
democráticas dificultem a vida
dos reformistas, elas também
podem se revelar um benefício
no longo prazo. Considere-se o
exemplo contrário da China. É
difícil acreditar que o Estado
chinês de partido único não
acabe com o tempo sendo desafiado desde o interior da estrutura partidária existente, pela
crescente classe média ou pelo
aumento da insatisfação dos
camponeses e trabalhadores.
As conseqüências econômicas
que acompanhariam uma transição ou uma revolução política
na China são incertas.
Contrastando com isso, a democrática Índia tem uma solução viável a oferecer ao problema da transição política: o partido, ou a coalizão de partidos,
que vencer a eleição vai comandar o governo. As normas de
transição hoje estão profundamente institucionalizadas na
Índia, e a estabilidade política
de longo prazo do país é uma
virtual certeza.
Quem sabe o que vai acontecer com o progresso econômico
chinês quando, confrontado
com a pressão competitiva vinda de produtores com custos
mais baixos, o país perder sua
vantagem comparativa na produção de massa que faz uso intensivo de mão-de-obra? Já no
caso da Índia, suas empresas
inovadoras e sua mão-de-obra
qualificada já começam a deixar sua marca no cenário internacional -e é provável que essa
tendência se mantenha nos
próximos anos.
Ashutosh Varshney é professor de Ciência Política na Universidade de Michigan e autor de
"Ethnic Conflict and Civic Life: Hindus and Muslims in India" (Conflitos étnicos e vida civil: hindus e muçulmanos na Índia)
TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN
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