São Paulo, domingo, 27 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Liberalização desafia Índia

Líderes do país têm de administrar o descontentamento da população mais pobre com reformas na economia que só lhe serão benéficas no longo prazo

ASHUTOSH VARSHNEY
DA "FOREIGN AFFAIRS"

A Índia está procurando levar a cabo uma transformação que poucos países na história moderna conseguiram empreender com sucesso: liberalizar a economia dentro de uma ordem democrática estabelecida. É difícil fugir da impressão de que o alinhamento entre os interesses de mercado e os princípios democráticos é intranqüilo hoje na Índia. Existem entre as duas coisas tensões que os líderes do país terão que administrar com cuidado.
O processo de reforma dos últimos 15 anos vem tendo resultados positivos: a economia da Índia vive um "boom". Mas a duração do "boom" vai depender da política democrática da Índia, país em que o crescimento econômico vem alimentando pressões pela redistribuição da renda. As teorias econômicas convencionais dizem que o mercado vai acabar por beneficiar a todos no longo prazo. Mas perspectivas de longo prazo não são algo que ocorra aos políticos democráticos, que precisam concentrar-se em ganhar eleições no curto prazo.
Assim, uma democracia de baixa renda, como a da Índia, precisa alimentar as energias de seus empreendedores e, ao mesmo tempo, no curto prazo, responder às suas massas.
Existem dois aspectos do desafio enfrentado pelos reformadores no contexto democrático da Índia: as percepções que se tem da reforma até agora e o sofrimento de curto prazo que provavelmente vai acompanhar as reformas mais profundas que ainda estão por vir.
As reformas econômicas até agora não afetaram diretamente a vida das massas pobres indianas, e isso vem alimentando o ressentimento contra as reformas, que a população pobre acredita terem beneficiado só as classes alta e média.
Outras reformas pró-mercado -a privatização das empresas do setor público, a implementação de uma política de emprego do tipo "contratar e demitir", mudanças na política agrícola, transformações radicais no pequeno setor industrial e a redução drástica dos déficits fiscais- podem exercer efeito direto e, eventualmente, positivo na vida da grande massa, mas os benefícios de longo prazo dessas reformas quase certamente serão acompanhados por sofrimento para os pobres no curto prazo.
As conseqüências eleitorais dessa probabilidade vêm fazendo com que as reformas orientadas à elite (a facilitação dos investimentos no setor imobiliário, a desregulamentação do mercado de ações, a liberalização da aviação civil) continuem sob o governo indiano atual, enquanto as reformas mais radicais (mudanças nas leis trabalhistas, privatização de estatais, eliminação de subsídios agrícolas) estão paradas. Como resultado, hoje é comum afirmar que a Índia apresenta "consenso forte em relação a reformas fracas".

Malabarismos
Embora as restrições democráticas às reformas econômicas indianas estejam começando a vir à tona, não há motivo para alarme. A democracia indiana representa uma limitação no curto prazo, mas, no longo prazo, é uma vantagem para os reformistas pró-mercado.
A restrição democrática significa, entretanto, que os reformistas na Índia terão que fazer malabarismos para realizar duas tarefas distintas no curto a médio prazo: levar adiante as reformas nos setores orientados à elite e reagir às necessidades das massas através de outras intervenções estatais antimercado. E, para que as reformas econômicas de mercado possam ser empreendidas em áreas diretamente relevantes para as massas, os políticos terão que responder como a privatização das empresas públicas, a reforma das leis trabalhistas e o levantamento dos subsídios agrícolas vão beneficiar as massas. E em quanto tempo os benefícios chegarão aos setores mais pobres.
É provável que todas essas reformas beneficiem o bem-estar das massas no longo prazo. Assim, para os políticos democráticos, esse problema vai significar efetivamente a tomada de medidas tais como reservar uma parte substancial da receita da privatização para a saúde pública e o ensino fundamental, a construção de redes de segurança para os trabalhadores conforme as leis trabalhistas são reformadas e a criação de um plano para promover uma segunda revolução verde na agricultura, em troca da redução dos subsídios agrícolas.
Contudo, embora as políticas democráticas dificultem a vida dos reformistas, elas também podem se revelar um benefício no longo prazo. Considere-se o exemplo contrário da China. É difícil acreditar que o Estado chinês de partido único não acabe com o tempo sendo desafiado desde o interior da estrutura partidária existente, pela crescente classe média ou pelo aumento da insatisfação dos camponeses e trabalhadores. As conseqüências econômicas que acompanhariam uma transição ou uma revolução política na China são incertas.
Contrastando com isso, a democrática Índia tem uma solução viável a oferecer ao problema da transição política: o partido, ou a coalizão de partidos, que vencer a eleição vai comandar o governo. As normas de transição hoje estão profundamente institucionalizadas na Índia, e a estabilidade política de longo prazo do país é uma virtual certeza.
Quem sabe o que vai acontecer com o progresso econômico chinês quando, confrontado com a pressão competitiva vinda de produtores com custos mais baixos, o país perder sua vantagem comparativa na produção de massa que faz uso intensivo de mão-de-obra? Já no caso da Índia, suas empresas inovadoras e sua mão-de-obra qualificada já começam a deixar sua marca no cenário internacional -e é provável que essa tendência se mantenha nos próximos anos.


Ashutosh Varshney é professor de Ciência Política na Universidade de Michigan e autor de "Ethnic Conflict and Civic Life: Hindus and Muslims in India" (Conflitos étnicos e vida civil: hindus e muçulmanos na Índia)

TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN


Texto Anterior: Artigo: Direita insiste na "crispação" que a derrotou
Próximo Texto: Ex-opositor de Chávez se beneficia com fim da RCTV
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.