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Homossexual é
bode expiatório ao
longo da história
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Corria o ano de 1307, e o papa
Clemente 5º procurava desmontar o poder paralelo que os
templários -religiosos militarizados durante as cruzadas-
haviam montado no mundo
cristão. O grão-mestre da ordem, Jacques de Molay, tornou-se o grande bode expiatório. Foi processado e condenado por práticas obscenas e sodomia. Seria queimado vivo
depois de peripécias judiciais.
Passaram-se quase seis séculos. O irlandês Oscar Wilde era
um dos mais brilhantes escritores de sua geração. Em 1885,
uma corte britânica o condenou por sodomia a dois anos
de trabalhos forçados.
De certo modo, a repressão à
sodomia não é apenas um capítulo separado na história dos
costumes. É sobretudo um ângulo privilegiado para identificar tentativas de normatização
violenta e radical do comportamento humano.
Os cidadãos greco-romanos
não criminalizavam o ato sexual entre dois homens. Há
muitas teorias para explicar as
razões que colocaram fim a essa tolerância no início da Idade
Média. A visão patrimonialista
acredita que a repressão ao afeto que escapava do modelo heterossexual e monogâmico foi
desencadeada para evitar confusão na herança dos direitos
na Europa feudal.
O cristianismo atuou na mesma direção, ao valorizar a ascese e ao tomar por modelo a sagrada família. O fato é que a Europa cristã sentiu necessidade
de atropelar as diversidades internas e de adotar critérios unificados para punir os comportamentos desviantes.
O papa Gregório 9º criou, em
1231, para a França, o Tribunal
da Inquisição, que seria suprimido, na Polônia, apenas em
meados do século 19. Cumprida a missão de reprimir as heresias, a inquisição passou, no
final do século 15, a reprimir
cristão novos (judeus e muçulmanos convertidos) na Espanha e em Portugal. Reprimiu
também os homossexuais.
Sodomitas da Bahia foram
processados a partir de 1591,
com a primeira visitação do
Santo Ofício ao Brasil. Uma curiosidade: o lesbianismo tornou-se inimputável porque
inexiste sodomia no homossexualismo feminino.
O historiador francês Michel
Foucault (1926-1984) acredita
que apenas no século 19 a sodomia foi verdadeiramente "inventada". Passou a ser a manifestação de uma suposta patologia que deveria ser isolada e
saneada da malha social.
Os higienistas, que associavam anomalia a comportamento minoritário, foram os
porta-vozes de uma postura segundo a qual o Estado deveria
legislar sobre a vida privada. A
sodomia foi crime no Reino
Unido até 1967. Na França,
com variantes atenuantes, ela o
foi até 1982. A República da Irlanda e Chipre ainda a punem
com pena de prisão. Nos EUA,
Illinois tornou-se, em 1961, o
primeiro Estado a abandonar
essa postura repressora.
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