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São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2003

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"É impossível imaginar uma vida como a minha", afirmou Vincent

SANDRINE BLANCHARD
DO "LE MONDE"

Em seu leito hospitalar, em Berck-sur-mer, na sexta-feira, 19 de setembro de 2003, Vincent Humbert se concentra no alfabeto lido por sua mãe. Com a mão direita sobre a de seu visitante, ele faz uma leve pressão com o polegar todas as vezes em que ouve a letra desejada. Fazendo um sinal quase imperceptível com a cabeça, ele confirma que a palavra escrita é a que ele queria dizer.
"É impossível imaginar uma vida como a minha", afirma o homem de 22 anos e sete meses de idade, que é tetraplégico, cego e mudo por causa de um acidente de carro. Ele não sai de sua cama há três anos. Dois aparelhos ligados diretamente a seu estômago lhe fornecem água e leite.
Ele não quer mais saber dessa "vida de merda". A expressão pode parecer vulgar, mas Vincent não encontra outra para definir seu calvário. "Se estivesse no meu lugar, você preferiria viver ou morrer?", pergunta Vincent.
Seu quarto conta parte de sua história. Nas paredes, fotos de sua família, um pôster de Bob Marley, um calendário do Corpo de Bombeiros. Antes do acidente, Vincent, bombeiro voluntário, se preparava para prestar o concurso de admissão dos bombeiros de Paris.
No chão, três caixas com cartas. Cartas de pessoas chocadas com sua história, que se tornou pública em novembro de 2002, quando ele escreveu ao presidente para defender seu "direito de morrer".
Sua vida parou no dia 24 de setembro de 2000, numa estrada da Normandia. Desde então, ele é "um morto vivo", conforme diz em seu livro. Naquela noite, ele tinha saído de seu plantão no Corpo de Bombeiros e voltava para casa. Mas a estrada era estreita, e um caminhão apareceu. Vincent desviou, mas um pneu estourou, e seu carro atingiu o caminhão.
Após nove meses em coma, Vincent acabou acordando. Mas seu corpo não era mais o mesmo. "Recuperei minha cabeça, mas ela é tudo o que consegui recuperar."
Seu médico reconhece que seu caso é "excepcional". Sem descanso, sua mãe, Marie Humbert, fica a seu lado. Ela deixou tudo para trás para viver em Berck-sur-mer, vive de "bicos" e passa todas as tardes no quarto de seu filho.
Em setembro de 2002, o médico de Vincent disse que seu caso não tinha mais "nenhuma esperança de progressão". "Em poucos segundos, tudo desmoronou", diz Vincent. "Quero morrer", disse ele, à época, à sua mãe. "Foi uma decisão madura", diz agora. Ele pede, em vão, medicamentos a seu médico e às enfermeiras.
Desesperado, Vincent pede à sua mãe que o "mate por amor". "Era muito difícil aceitar essa hipótese, mas eu precisava pensar nele, não em mim", conta Marie. Ela acabou "jurando" que o faria.


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