São Paulo, quinta-feira, 27 de setembro de 2007

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"Sem China, não há solução possível", diz relator da ONU

Paulo Sérgio Pinheiro, que avalia direitos humanos em Mianmar para organismo, critica lentidão internacional

"Basta a vontade de alguns atores-chave para que mais violência seja evitada; todos aqui sabem o que deve ser feito", afirma brasileiro

ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO

Se não fosse pela lentidão da comunidade internacional, a violência em Mianmar poderia ter sido evitada, afirma o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, relator da ONU para o país asiático. "Todos sabem o que é preciso fazer. Me espanta que a comunidade internacional esteja disposta a negociar com vários governos ditatoriais, mas não com Mianmar", diz.
Leia a seguir a entrevista que Pinheiro concedeu à Folha, por telefone, dos EUA.

 

FOLHA - A violência em Yangun poderia ter sido evitada?
PAULO SÉRGIO PINHEIRO -
Da maneira lenta como a comunidade internacional tem reagido, não. As manifestações não começaram ontem, mas os países não foram capazes de se coordenar para dar uma resposta. Basta a vontade de alguns atores-chave para que mais violência seja evitada. Uma coisa que me espanta é que a comunidade internacional está disposta a negociar com vários governos ditatoriais, mas não com Mianmar. Há vários fatores para isso: é um sistema muito fechado, com uma situação geopolítica muito protegida. É muito fácil pôr Mianmar no ostracismo. E há muitos outros países não-democráticos com os quais é preciso colaborar, especialmente no contexto da luta contra o terrorismo.

FOLHA - Qual o caminho para sair da crise atual?
PINHEIRO -
Sem uma parceria com a China não há solução possível. Não há outra via a não ser uma negociação envolvendo China, Índia e países da região. Mas isso não é consenso na comunidade internacional. Querem que a China se comporte da mesma maneira que outros países. Mas a China tem seu estilo e não é o dos holofotes: é uma diplomacia discreta, feita nos bastidores.

FOLHA - Sanções da ONU podem ajudar na crise?
PINHEIRO -
Não tomo posição sobre isso, mas tenho dito que o essencial é a coordenação. Disse ao governo americano que é preciso insistir na diplomacia. Mas é preciso insistir em alguns pontos. Primeiro, a repressão não pode se abater sobre manifestantes pacíficos. Isso é que é um escândalo, os manifestantes são pacíficos, não formam uma guerrilha! Depois, a crise é uma janela de oportunidade para a obtenção de concessões para uma pequena abertura. E todos aqui sabem como fazer isso. [É preciso usar os] temas internacionais que são do interesse da junta militar -luta contra o narcotráfico, lidar com a questão da Aids, com políticas de saúde em geral.

FOLHA - Como o sr. avalia a organização da sociedade civil birmanesa?
PINHEIRO -
Há inúmeras ONGs lá que trabalham em colaboração com o governo. A impressão de que Mianmar é um país vazio dominado pelos militares é falsa. Há uma sociedade civil corajosa. Claro, tudo é muito discreto, porque a repressão é forte. Mas não há nenhuma liberdade fundamental. Indicadores sociais são precários, e a economia está desestruturada.

FOLHA - Aung San Suu Kyi, líder da oposição, pode estimular protestos, como afirma a junta militar?
PINHEIRO -
Claro que não. Ela está solitária e incomunicável dentro de sua casa. Ela não tem nenhum contato com o exterior -tudo é controlado pelos militares. Não tem telefone, internet, nada. E é grave que a comunidade internacional não consiga aliviar sua situação.


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