São Paulo, terça-feira, 28 de março de 2006

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ANÁLISE

Cisjordânia permeia o voto

UZI BENZIMAN
DO "HAARETZ"

Como pessoas cegas que passam as mãos sobre o corpo de um elefante e não sabem o que ele é, porque cada uma está tocando uma parte diferente do animal, o público eleitor percorre a esmo a selva das pesquisas de intenção de voto, das mensagens e dos filmes publicitários e se pergunta o que será hoje decidido nas urnas. A ameaça do Irã? A fronteira entre Israel e o Estado Palestino? A segurança das decolagens e das aterrissagens no Aeroporto Internacional Ben Gurion? O salário mínimo? Quais remédios serão ou não subsidiados? Um lugar no paraíso?
A fumaça do campo de batalha, suspensa sobre a campanha eleitoral, não é algo que afeta apenas Israel: em muitos países democráticos existe a tendência a que as separações ideológicas entre partidos e candidatos percam a nitidez. Os candidatos buscam alcançar o público mais amplo possível, e, para isso, abrandam suas mensagens. Esse fenômeno é especialmente perceptível na campanha atual: embora os três maiores partidos tenham visões de mundo muito diferentes com relação aos palestinos e ao futuro da Cisjordânia, eles vêm se dando muito trabalho para não destacar essas divergências. Assim, Ehud Olmert declarou sua intenção de efetuar uma retirada da maior parte da Cisjordânia, mas, ao mesmo tempo, falou de unificação dos grandes blocos de assentamentos e do controle sobre amplas zonas de segurança. Amir Peretz declarou que a fórmula de Genebra é a chave para a resolução do conflito, mas depois retrocedeu e chegou a reagir à ascensão do Hamas de maneira semelhante à dos partidos de direita. Binyamin Netanyahu argumenta que busca um acordo de conciliação com os palestinos, mas ofereceu a eles condições que, falando de maneira realista, equivalem à manutenção do status quo.
Antes de colocar a cédula na urna, seria aconselhável descascar as camadas externas que recobrem o núcleo que alimenta as atitudes dos três partidos principais em relação ao futuro das relações com os palestinos. Afinal, é essa a questão mais importante a ser decidida pelos eleitores.


Israel dá passo importante para determinar seu relacionamento futuro com o povo palestino

O Likud deseja conservar a Cisjordânia inteira e acredita em uma solução do conflito pela força bruta. O Partido Trabalhista defende uma retirada quase total e a busca de um entendimento. O Kadima quer aplicar uma solução unilateral que inclua a desocupação de parte significativa da Cisjordânia, a anexação de blocos de assentamentos situados atrás da barreira de separação, e a criação de um equilíbrio de contenção militar. O Meretz assumiu postura ao lado do Partido Trabalhista; a União Nacional e o Partido Religioso Nacional, ao lado do Likud. Israel Beitenu também se enquadra neste último campo, com uma proposta única (redesenhar as fronteiras do país e, ao mesmo tempo, distanciar cidadãos árabes dele). As posições dos partidos minoritários consistem basicamente em negar a natureza sionista do Estado, enquanto os partidos ultraortodoxos têm sua agenda própria.
Não se pode afirmar que a sociedade israelense não tenha dado um passo significativo nessas eleições, no caminho a ser determinado quanto a seu relacionamento futuro com os palestinos: ela está prestes a optar entre três alternativas, duas das quais refletem uma disposição clara em abrir mão de grande parte da Cisjordânia. Esse passo ainda é parcial e não foi suficientemente enunciado. Está claro que o país ainda terá que sofrer mais agonia até que consiga reunir a força necessária para conduzir o debate inevitável sobre o futuro daqueles territórios.
Desde esse ponto de vista, a campanha eleitoral deixou passar uma oportunidade: esse processo nacional de elucidação deveria ter sido realizado ao longo dos últimos quatro meses. A questão da retirada imediata ou da continuação da ocupação deveria ter ganho destaque inequívoco na agenda política. Mas, como ficou claro, esses processos exigem tempo adicional.
Em 1969, quando se perguntou aos cidadãos de Israel qual, em sua opinião, era o problema mais importante que o governo deveria tratar, 80% responderam que era a política externa, e apenas cerca de 20% falaram nos problemas domésticos. Este ano, 38% dos entrevistados mencionaram a política externa, e 62%, as questões domésticas de Israel. Há 37 anos atrás, 98% dos eleitores do Likud disseram que a segurança e a paz eram os fatores mais importantes que tinham levado em conta para votar, coisa que apenas 60% repetiram três anos atrás. No caso dos eleitores do Partido Trabalhista, as cifras foram 80%, em 1969, e 50%, em 2003 (segundo dados do Instituto de Democracia de Israel). Esses números revelam a força da tendência a buscar liberdade do ônus da segurança, que se deve em grande medida à manutenção do controle sobre os territórios, e a concentrar as atenções sobre a melhora da qualidade de vida dentro das fronteiras do Estado. Também revelam até que ponto essa tendência é vagarosa.

Tradução de Clara Allain

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