São Paulo, Domingo, 28 de Março de 1999
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VISÃO AMERICANA
Presidente consegue usar mídia com habilidade
Clinton usa ataques para limpar imagem

MARCIO AITH
de Washington


Com um sufocante bombardeio aos meios de comunicação, o presidente Bill Clinton está usando o ataque militar à Iugoslávia para purificar sua imagem junto à população norte-americana.
Há seis semanas, ele escapou de um processo de impeachment que não lhe tirou o cargo, mas ameaçava marcar seu legado político.
Desde terça-feira passada, quando a Otan deu o sinal verde para os bombardeios a posições militares sérvias, o presidente e seus principais assessores civis e militares exibem ininterruptamente na televisão, em discursos e entrevistas, imagens alusivas a conflitos militares históricos e ao Holocausto da Segunda Guerra Mundial.
Preparados com requinte de detalhes e elogiados por praticamente todos os estrategistas políticos em Washington, os discursos retratam Clinton como uma nova estirpe de estadista; o presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic, como um novo Adolf Hitler.
Os primeiros efeitos foram sentidos de maneira intensa na oposição republicana, que se retraiu. Oficialmente, como no último ataque militar ao Iraque e nos bombardeios dos EUA a supostos alvos terroristas no Sudão e no Afeganistão (em 1998), o Congresso controlado pelos republicanos manteve seu padrão de comportamento: apoiou as tropas americanas e mostrou reservas quanto aos resultados da política de Clinton.
A timidez dos republicanos começou com o primeiro "ataque" de Clinton, na terça-feira passada. Munido de um mapa da região do conflito, o presidente conseguiu ser didático e épico.
"Sarajevo, capital da Bósnia, é onde a Primeira Guerra Mundial começou. A Segunda Guerra Mundial e o Holocausto envolveram essa região. Em ambas as guerras a Europa foi lenta em reconhecer os perigos, e os EUA esperaram ainda mais para entrar nos conflitos. Apenas imagine se os líderes de então tivessem agido com mais sabedoria e previamente, quantas vidas poderiam ter sido salvas, quantos americanos não teriam morrido".
Foi somente o começo. Pesquisas encomendadas pela Casa Branca revelavam que a imensa maioria da população desconhecia o presidente Slobodan Milosevic e a região de Kosovo.
Clinton foi à rede nacional de TV na noite do primeiro bombardeio, quarta-feira, e repetiu o tom histórico de seu primeiro discurso.
O presidente voltou à cena em conversas informais com jornalistas e por meio de um vídeo gravado dirigido ao povo sérvio e transmitido via satélite pela inteligência militar norte-americana aos lares iugoslavos.
Ironicamente, esse vídeo foi visto somente pelos norte-americanos, exibido à exaustão pelas redes de TV do país. O vídeo teve como ponto alto a participação especial da secretária de Estado, Madeleine Albright, que falou aos iugoslavos na língua servo-croata. Quando criança, Albright morou em Belgrado acompanhando seu pai numa missão diplomática.
Apesar da intensidade, os efeitos da campanha de Clinton sobre sua popularidade ainda são incertos.
Pesquisa divulgada na quinta-feira à noite indica que uma maioria pouco expressiva apóia a participação dos Estados Unidos nos bombardeios da Otan.
A pesquisa, da rede de televisão "CNN", do instituto Gallup e do jornal "USA Today", revelou que 50% dos americanos aprovam a participação dos EUA no ataque; 39% desaprovam e 11% não têm opinião a respeito.
A pesquisa mostrou ainda que a maioria (50%) dos entrevistados acredita que a crise em Kosovo não tem relação com os interesses norte-americanos. O presidente Bill Clinton recebeu 58% de aprovação por sua atuação na crise.
Os ataques militares a posições sérvias também atiçaram o vice-presidente e candidato à sucessão de Clinton, Al Gore, que quis aproveitar politicamente o conflito.
Com baixos índices de popularidade, Gore chamou Milosevic de "ditador com sangue literalmente pingando de suas mãos".
Segundo uma pesquisa divulgada em 15 de março pelo "The Washington Post", Gore perderia as eleições presidenciais para o governador republicano do Texas, George W. Bush: 68% dos entrevistados acham que Bush tem a liderança necessária para exercer a Presidência. Apenas 41% acham que Gore tem a capacidade de comandar os EUA.


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