São Paulo, Domingo, 28 de Março de 1999
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ATAQUE À IUGOSLÁVIA
Especialista fala sobre o clima de tensão na região e sobre a possibilidade de a guerra se alastrar
Conflito pode tomar Bálcãs, diz estudioso

ISABEL CLEMENTE
de Londres


Berço da Primeira Guerra Mundial, os Bálcãs levam o estigma de poder deflagrar uma nova guerra generalizada, que arraste os vizinhos da Iugoslávia. "A possibilidade sempre existiu", diz Spyros Economides, estudioso de Bálcãs da London School of Economics.
Formada hoje por apenas duas Repúblicas (Sérvia e Montenegro), a Iugoslávia continua sendo o epicentro de um movimento separatista, em Kosovo, que pode contagiar os albaneses espalhados por países, como a Macedônia.
É difícil apontar quando os conflitos atuais na região dos Bálcãs começaram, mas a morte do presidente comunista da antiga Iugoslávia, Josip Broz Tito, em 80, abriu caminho para o desmantelamento do país, explica Economides.
Folha - Quais os riscos de a atual guerra evoluir e envolver os países vizinhos à Iugoslávia?
Economides -
É sempre uma possibilidade devido ao grande número de minorias étnicas e religiosas espalhadas pela região. Mas, levando em conta as recentes atitudes dos países vizinhos a Kosovo, percebe-se que têm evitado se envolver com a crise. A Albânia deixou claro que, apesar de preocupada com o que está ocorrendo, não vai tomar nenhuma medida agora.
O perigo, obviamente, é a Macedônia (que fazia parte da Iugoslávia e ficou independente em 91), onde, pelo menos, 20% ou 25% da população é de origem albanesa. Se refugiados de Kosovo (também de origem albanesa) começarem a transpor as fronteiras, como já vem acontecendo, é possível que a maioria eslava reaja novamente, como fez em 97, para evitar a entrada desses grupos. O argumento é: "já temos bastante problema com minorias e não temos meios econômicos para sustentá-las".
A outra possibilidade é os sérvios partirem para ações contra as tropas da Otan baseadas na Macedônia e na Bósnia, como uma retaliação formal ao ataque. O conflito poderia se espalhar pela região.
Folha - É possível apontar um evento que tenha deflagrado ou intensificado o conflito na região?
Economides -
Neste século, é difícil apontar um único evento. Analisando a forma como a ex-Iugoslávia foi criada, em 1945, por Tito, já se vê uma série de compromissos que nunca viraram realidade. Tito estava tentando fundar um país unindo uma variedade de grupos étnicos, oferecendo-lhes poder, mas não o suficiente para se tornarem independentes.
Ele era uma figura carismática e, enquanto esteve vivo, conseguiu manter essa união pouco provável. Com sua morte, em 1980, as várias repúblicas passaram a competir para ver quem controlaria a Iugoslávia. Sendo a Sérvia a maior e mais poderosa, ela tomou o governo e reduziu a autonomia das outras. Os problemas começaram aí.
Folha - Em que extensão o conflito iugoslavo afeta países vizinhos?
Economides -
Os vizinhos eram muito preocupados com o desmantelamento da Iugoslávia por várias razões. Alguns deles eram mais felizes quando a velha Iugoslávia existia porque isso lhes poupava problemas. É o caso dos búlgaros e dos gregos, que não tinham que se deparar com os problemas que a Macedônia vem lhes causando, como a entrada maciça de refugiados, o potencial contágio de uma guerra que também os envolva e os pesados custos da imposição de sanções econômicas.
Folha - Esse conflito interno da Iugoslávia causa, aos vizinhos, prejuízo, que tenderá a aumentar com o bombardeio da Otan.
Economides -
Claro. Búlgaros e romenos sofreram prejuízos de bilhões de dólares por ano com a imposição de sanções econômicas à Iugoslávia pela ONU, iniciadas em 92. As rotas comerciais de Bulgária e Romênia passam pela Iugoslávia.


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