São Paulo, domingo, 28 de abril de 2002

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Europa deve ampliar retórica antiimigrante

MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO

A chegada ao segundo turno na França do candidato de extrema direita Jean-Marie Le Pen, com uma plataforma que atribui aos imigrantes a culpa por parte dos problemas sociais, deve levar os partidos tradicionais da Europa a aumentar a sua retórica nacionalista contrária à entrada de imigrantes no continente.
Entretanto, segundo analistas ouvidos pela Folha, a recente ascensão da extrema direita européia não deve levar ao fechamento das fronteiras como gostariam organizações xenófobas como a Frente Nacional francesa.
"É provável que a retórica fique mais dura contra os imigrantes", disse Alasdair Murray, diretor de política social do Centro para Reforma Européia, de Londres. "Mas não creio que venha a haver grande mudança política."
Murray cita como exemplo declarações do ministro do Interior britânico, David Blunkett. Ele avançou o sinal na semana passada ao defender a criação de escolas especiais para filhos de imigrantes, de forma a evitar que outras instituições de ensino sejam "inundadas" por eles. O termo em inglês utilizado, "swamped", é pejorativo e usado com frequência pela direita do Partido Conservador. "O comentário de Blunkett sugere que vários elementos do governo possam falar mais com a linguagem da direita", opinou.
Nos últimos 30 anos, os governos europeus evitaram ao máximo abrigar estrangeiros. Os fluxos migratórios de refugiados políticos e econômicos aumentaram em larga escala no início dos anos 90 -em razão de guerras, como a do Golfo e o conflito nos Bálcãs, e do colapso do comunismo e da Cortina de Ferro, barreira física e ideológica que isolava o continente da imigração do Leste Europeu.
Em situação ilegal, esses imigrantes permanecem nas principais cidades da Europa Ocidental. Fazem os trabalhos sem qualificação que os europeus se negam a fazer e, desamparados pelo Estado, não raro caem na criminalidade -o que reforça as acusações extremistas contra a imigração.
Segundo estimativas governamentais, há hoje por volta de 1 milhão de imigrantes ilegais no Reino Unido, 1 milhão na Alemanha, 400 mil na França e 300 mil na Itália. Cerca de 500 mil novos estrangeiros entram sem documentação na União Européia anualmente.
Agora, com o crescimento da extrema direita não apenas na França, mas também na Áustria, na Itália, na Bélgica, na Dinamarca e na Noruega, os partidos tradicionais de direita e esquerda se vêem pressionados a lidar com a questão dos imigrantes.
"O desafio é fazê-lo de forma construtiva -lidando com problemas reais que, por tempo demais, foram deixados para a extrema direita", observou Tore Bjorgo, especialista em extrema direita do Instituto Norueguês para Assuntos Internacionais.
A discussão já agita os corredores de Bruxelas, onde representantes dos 15 integrantes da União Européia (UE) buscam a adoção de regras comuns para concessão de asilo e cidadania e ensaiam uma cooperação para melhor controle de fronteiras.
Apesar da retórica de interesses comuns na UE, Murray destaca que a maioria dos países prefere agir por conta própria ao lidar com a imigração. "Esses países governados pela direita querem recuperar para si o controle da entrada de imigrantes em vez de trabalhar juntos, de forma a agradar sua população mais rapidamente", disse o analista britânico.
Na opinião de Jacques Barou, especialista em imigração do Instituto de Estudos Políticos de Grenoble, na França, o bom resultado de Le Pen pode motivar a Europa a mudar. "Haverá uma política repressiva contra os imigrantes clandestinos", disse. Por outro lado, "deve haver um aumento da imigração legal, dando a eles o direito de permanecer temporadas mais curtas". Seria uma imigração que serviria aos propósitos econômicos, sem acarretar novos problemas de integração populacional como no caso dos norte-africanos na França.
Barou e outros estudiosos do assunto argumentam que a manutenção do crescimento econômico da Europa só é viável se o continente continuar a receber imigrantes. Isso porque, com o progressivo envelhecimento da população européia, seus países vão precisar cada vez mais de jovens estrangeiros para suprir a escassez de mão-de-obra e conseguir pagar pensões para uma crescente população de aposentados.
Números da ONU indicam que o continente teria de abrigar 13,5 milhões de imigrantes por ano para conseguir manter a mesma proporção entre trabalhadores e pensionistas. É com isso em mente, argumenta Barou, que "os partidos tradicionais na França evitam uma retórica contra a imigração". E Le Pen, apesar de ter provocado um choque em suas estruturas, não deve provocar uma reviravolta. "Tanto a direita parlamentar quanto a esquerda vão evitar falar nesse tema porque sabem que há uma necessidade econômica de trazer gente de fora."


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