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Grandes partidos não influenciam decisão
DO ENVIADO ESPECIAL A PARIS
Embora não seja oficialmente
defendido pelos grandes partidos
franceses, que controlam a cena
política há décadas, o "não" continua à frente nas pesquisas.
Diversos fatores explicam a rejeição à Carta de parcela considerável da população. Primeiro, o
debate está fortemente contaminado por questões domésticas,
que pouco ou nada têm a ver com
o texto europeu.
Segundo, a campanha foi mal
concebida e mal realizada pelos
defensores do "sim", e as personalidades partidárias do "não" tiveram boa atuação na mídia.
Terceiro, alguns artigos da
Constituição amedrontam a população, que teme perder parte de
seus benefícios sociais. Finalmente, há a exacerbação (por parte da
extrema direita e, em menor escala, da extrema esquerda) de um
nacionalismo que, em 2002, levou
o líder da Frente Nacional, Jean-Marie Len (extrema direita), ao
segundo turno presidencial.
O eleitorado do "não" inclui
uma parcela significativa da esquerda, uma minoria de direita e
de centro, a extrema esquerda e a
extrema direita.
A aversão de boa parte do eleitorado ao governo do premiê
Jean-Pierre Raffarin é, indubitavelmente, o fator mais relevante
nesse quadro. Suas reformas socioeconômicas são extremamente malvistas pelos trabalhadores
-o desemprego mantém-se em
cerca de 10%- e pelos aposentados, que já perderam ou temem
perder benefícios sociais.
Contudo ele não é o único alvo
da rejeição popular. Chirac irritou
a maioria dos eleitores ao mantê-lo à frente da administração após
duas claras derrotas eleitorais em
2004 (pleitos regional e europeu)
e, recentemente, ao suprimir o feriado de Pentecostes contra a
vontade popular.
A campanha para o plebiscito liderada pelos chefes de Estado e de
governo também é responsável
pela situação atual, pois eles demoraram demais para começar a
explicar verdadeiramente aos
eleitores o que estava em jogo.
Ademais, é preciso lembrar que o
bloco europeu nunca foi uma
prioridade dos sucessivos governos franceses desde sua criação,
em 1957, e, portanto, não é bem
conhecido pelos franceses.
Os partidários do "não", por sua
vez, souberam ir ao âmago das inquietações dos franceses -muitas vezes de modo populista. Assim, argumentos como o fim dos
serviços públicos, o fim dos benefícios do Estado de Bem-Estar Social e o liberalismo de Bruxelas estiveram sempre nos debates.
Segundo muitos especialistas, a
menção da palavra "concorrência" no início da Constituição basta para que parte da esquerda
considere o projeto de "liberal demais". Além disso, para muitos
eleitores de esquerda e da extrema
esquerda, a Carta ameaça, realmente, os ganhos sociais que a
população conseguiu conquistar
depois da Segunda Guerra.
Noëlle Lenoir, ex-ministra francesa da UE, disse à Folha que é irrefutável, todavia, que a lógica em
que se baseia o aprofundamento
da construção européia visa reforçar o poder de concorrência do
bloco na cena global. Vale salientar também que muitos dos cortes
já vêm sendo feitos por governos
de direita ou de esquerda europeus há alguns anos.
Já os eleitores da extrema direita
mencionam a perda de poder dos
Estados-membros em benefício
das instituições européias. Para
eles, a Carta dará poder excessivo
aos funcionários e ao Parlamento
da UE em detrimento dos governos nacionais. Estes ficariam reféns de decisões tomadas em Bruxelas e não poderiam defender
seus interesses.
Finalmente, esses temores foram muito bem utilizados por
correntes dos dois extremos do
espectro político francês. Com isso, até as negociações sobre a
eventual entrada da Turquia na
UE, que não deverá ocorrer em
menos de 10 anos ou 15 anos, foi
citada à profusão em programas
de TV e em comícios, embora, em
princípio, tenham pouca ligação
com o Constituição.
(MSM)
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