São Paulo, sábado, 28 de maio de 2005

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Grandes partidos não influenciam decisão

DO ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Embora não seja oficialmente defendido pelos grandes partidos franceses, que controlam a cena política há décadas, o "não" continua à frente nas pesquisas.
Diversos fatores explicam a rejeição à Carta de parcela considerável da população. Primeiro, o debate está fortemente contaminado por questões domésticas, que pouco ou nada têm a ver com o texto europeu.
Segundo, a campanha foi mal concebida e mal realizada pelos defensores do "sim", e as personalidades partidárias do "não" tiveram boa atuação na mídia.
Terceiro, alguns artigos da Constituição amedrontam a população, que teme perder parte de seus benefícios sociais. Finalmente, há a exacerbação (por parte da extrema direita e, em menor escala, da extrema esquerda) de um nacionalismo que, em 2002, levou o líder da Frente Nacional, Jean-Marie Len (extrema direita), ao segundo turno presidencial.
O eleitorado do "não" inclui uma parcela significativa da esquerda, uma minoria de direita e de centro, a extrema esquerda e a extrema direita.
A aversão de boa parte do eleitorado ao governo do premiê Jean-Pierre Raffarin é, indubitavelmente, o fator mais relevante nesse quadro. Suas reformas socioeconômicas são extremamente malvistas pelos trabalhadores -o desemprego mantém-se em cerca de 10%- e pelos aposentados, que já perderam ou temem perder benefícios sociais.
Contudo ele não é o único alvo da rejeição popular. Chirac irritou a maioria dos eleitores ao mantê-lo à frente da administração após duas claras derrotas eleitorais em 2004 (pleitos regional e europeu) e, recentemente, ao suprimir o feriado de Pentecostes contra a vontade popular.
A campanha para o plebiscito liderada pelos chefes de Estado e de governo também é responsável pela situação atual, pois eles demoraram demais para começar a explicar verdadeiramente aos eleitores o que estava em jogo. Ademais, é preciso lembrar que o bloco europeu nunca foi uma prioridade dos sucessivos governos franceses desde sua criação, em 1957, e, portanto, não é bem conhecido pelos franceses.
Os partidários do "não", por sua vez, souberam ir ao âmago das inquietações dos franceses -muitas vezes de modo populista. Assim, argumentos como o fim dos serviços públicos, o fim dos benefícios do Estado de Bem-Estar Social e o liberalismo de Bruxelas estiveram sempre nos debates.
Segundo muitos especialistas, a menção da palavra "concorrência" no início da Constituição basta para que parte da esquerda considere o projeto de "liberal demais". Além disso, para muitos eleitores de esquerda e da extrema esquerda, a Carta ameaça, realmente, os ganhos sociais que a população conseguiu conquistar depois da Segunda Guerra.
Noëlle Lenoir, ex-ministra francesa da UE, disse à Folha que é irrefutável, todavia, que a lógica em que se baseia o aprofundamento da construção européia visa reforçar o poder de concorrência do bloco na cena global. Vale salientar também que muitos dos cortes já vêm sendo feitos por governos de direita ou de esquerda europeus há alguns anos.
Já os eleitores da extrema direita mencionam a perda de poder dos Estados-membros em benefício das instituições européias. Para eles, a Carta dará poder excessivo aos funcionários e ao Parlamento da UE em detrimento dos governos nacionais. Estes ficariam reféns de decisões tomadas em Bruxelas e não poderiam defender seus interesses.
Finalmente, esses temores foram muito bem utilizados por correntes dos dois extremos do espectro político francês. Com isso, até as negociações sobre a eventual entrada da Turquia na UE, que não deverá ocorrer em menos de 10 anos ou 15 anos, foi citada à profusão em programas de TV e em comícios, embora, em princípio, tenham pouca ligação com o Constituição. (MSM)


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