São Paulo, domingo, 28 de maio de 2006

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DILEMA PERSA

Blogueiro desafia polícia para se expressar

Para Hanif Mazrooei, que já foi preso por escrever sobre política e diz ter sido torturado, Irã resiste a mudar

DO ENVIADO A TEERÃ

Antes de dormir, logo que acorda, no meio do dia, de seu celular, dos internet cafés, Hanif Mazrooei, 27, faz o que cerca de 700 mil iranianos fazem: escreve em seu blog. Publica suas opiniões e fotos no diário virtual que mantém na rede. Filho de um conhecido jornalista iraniano, Rajabali Mazrooei, preso diversas vezes por suas opiniões e hoje presidente da associação dos jornalistas de oposição, Hanif tem a idade da Revolução Islâmica e sabe os perigos de fazer críticas a ela. Só não achava que o governo estivesse tão preocupado com o conteúdo de seu site, o Rouydad ("acontece", em farsi). Até o dia em que recebeu uma carta da polícia, se apresentou (com a mãe) e foi preso. Ficou nas mãos da temida polícia política iraniana por 66 dias, numa solitária, onde diz ter sido torturado. O site foi tirado do ar. Solto, Hanif Mazrooei fez o que outros colegas seus fizeram na mesma situação: abriu outro blog, que leva seu sobrenome e o slogan "bloco de anotações sem leitores". Por enquanto, ainda no ar. Leia sua entrevista à Folha. (SÉRGIO DÁVILA)

 

FOLHA - Como você foi preso? HANIF MAZROOEI - A polícia me mandou uma carta pedindo que eu me apresentasse para responder algumas perguntas. Eu pensei em fugir, mas consultei meus pais e meu advogado, e eles disseram para eu fazer como a carta dizia. Fui lá no dia marcado. Fui preso na hora.

FOLHA - E então? MAZROOEI - Fui vendado e tive as mãos algemadas nas costas. Aí, me mandaram para os "amaken" (a temida polícia política iraniana). Eles me mantiveram durante 66 dias numa cela de dois metros por 3,5, numa prisão clandestina. Cada vez que vinham me buscar, eu tinha que me vendar. Nesses mais de dois meses, não vi o rosto de ninguém.

FOLHA - Para onde o levavam, quando o tiravam da cela? MAZROOEI - À sala de interrogatório. Ali eu era torturado cotidianamente. Faziam perguntas sobre minha orientação sexual (Mazrooei é heterossexual). Eu respondia: "Quem vocês querem enganar com essas perguntas? Eu sei que estou aqui por conta do conteúdo político de meu site".

FOLHA - Antes de ser preso, você achava que o que escrevia poderia lhe causar problemas? MAZROOEI - Mais ou menos. Um mês antes, alguns amigos meus blogueiros, com sites com teor parecido ao do meu, começaram a ser presos. Quando isso aconteceu, eu saí por um tempo de Teerã, mas depois resolvi voltar. Pensei que tinham desistido de mim.

FOLHA - Você continua blogando, e seu site continua político. Não teme ser preso de novo? MAZROOEI - Não, já estou acostumado com a pressão. Todos os dias, alguém da "amaken" me liga e comenta um texto que fiz naquele dia ou no dia anterior. É um jogo psicológico. Eles querem mexer com minha cabeça, mostrar que continuam me vigiando, que não me esqueceram. Às vezes, dão conselhos: "Por que você não é um bom rapaz?". Outras vezes perguntam: "Por que você escreveu isso?".

FOLHA - Você vê possibilidade de mudança no Irã nos próximos anos? MAZROOEI - Nas últimas eleições presidenciais, cheguei a fazer campanha para meu candidato [Mostafa Moeen, reformista, ex-ministro dos governos de Hashemi Rafsanjani e de Mohammad Khatami e primeiro político iraniano a ter um blog], que acabou em quinto lugar nas votações. No dia, fiquei com raiva, mas hoje acho bom que Mahmoud Ahmadinejad tenha sido eleito. O povo iraniano precisa dessa lição.

FOLHA - Como assim? MAZROOEI - As coisas só vão mudar no Irã quando as pessoas quiserem que mude. O regime iraniano não tem medo de nada, só do povo. E só a fome promove mudanças. Enquanto isso, o governo levanta cortinas de fumaça, como a questão nuclear [os EUA acusam o programa iraniano de ter fim bélico; Teerã diz que é pacífico]. Estamos perdendo tempo com essa questão, só fazemos inimigos no mundo com ela, e há assuntos internos muito mais importantes.

FOLHA - Você acha que a tecnologia será usada pelo governo com fins pacíficos? MAZROOEI - Não, acho que também servirá para construir armas. O governo quer unir o povo em torno do regime com essa questão. Faz sentido: se os outros países criticarem o Irã por conta do desrespeito aos direitos civis, não haverá união interna em torno de uma resposta única. Agora, se a crítica é sobre o direito ou não de o país ter energia nuclear, é mais fácil você ter consenso.

FOLHA - Você não tem medo de divulgar suas opiniões publicamente? MAZROOEI - Não.


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