São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998

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ATRÁS DA MURALHA
Em debate inédito transmitido ao vivo na China, presidente dos EUA critica massacre de Tiananmen
Clinton e Jiang travam "guerra verbal'

Reuters
Bill Clinton (à esq.) fala durante o debate com Jiang Zemin no Grande Salão do Povo, transmitido ao vivo


das agências internacionais


O presidente norte-americano, Bill Clinton, e o chinês, Jiang Zemin, travaram ontem um debate transmitido ao vivo pela TV chinesa.
Pela primeira vez, os chineses puderam ouvir visões discordantes sobre assuntos polêmicos, como direitos humanos, dissidentes políticos e o massacre da praça Tiananmen, em 89.
A "guerra de palavras" entre os dois presidentes ocorreu durante entrevista coletiva transmitida pela TV chinesa, após cerimônia na praça Tiananmen.
Foi a primeira vez que um debate entre Jiang e um presidente estrangeiro foi transmitido ao vivo. Geralmente, os discursos colocados no ar pela TV chinesa -estatal- não são transmitidos ao vivo para que possam ser editados.
"Eu acredito, e o povo norte-americano também acredita, que o uso da força e a perda trágica de vidas foram erros graves", afirmou o presidente Clinton, sobre o massacre de Tiananmen.
Os protestos de junho de 1989 são descritos oficialmente como "contra-revolucionários", e a discussão pública do tema é um tabu no país.
"Sem a repressão aos distúrbios políticos ocorridos em 1989, a China não poderia ter a estabilidade que possui hoje", justificou Jiang.
Clinton insistiu na questão e disse compreender os temores de desordem. No entanto, o presidente norte-americano ressaltou que "se se tem demasiado medo (em razão da repressão), se paga um preço ainda maior".
Clinton falou também sobre o Dalai Lama, líder espiritual do Tibete, região autônoma chinesa, anexada por Pequim em 1950, e descrito pela China como um "separatista". "Acredito que se ele tivesse uma conversa com o presidente Jiang, eles se dariam muito bem", disse Clinton, que o descreveu como um homem "santo" e "honesto".
A frase causou risos em Jiang, que disse que dialogará com o Dalai Lama, exilado na Índia desde 59, mas desde que ele reconheça que o Tibete é parte da China.
Clinton também reclamou da prisão de dissidentes chineses pelo governo de Pequim.
Jiang afirmou que tem garantido a liberdade no país. Clinton, por sua vez, disse que espera que a China liberte prisioneiros políticos, que estariam detidos desde o massacre da praça Tiananmen.
"Para a China, o mais importante é o direito à subsistência e ao desenvolvimento", afirmou Jiang, respondendo pergunta sobre direitos humanos no país.
Jiang disse que em seu país não há prisioneiros políticos e afirmou que na "China só se castiga os que colocam em perigo a segurança nacional".
Apesar das diferenças, Washington e Pequim concordaram em retomar o diálogo oficial sobre direitos humanos, interrompido em 1994 devido à prisão de Wei Jingsheng, destacado dissidente chinês, atualmente exilado nos EUA.
Antes da entrevista coletiva, uma cerimônia oficial foi oferecida a Bill Clinton na praça Tiananmen. O presidente norte-americano passou pelas tropas do Exército de Libertação Popular da China.
A visita de Clinton à China tinha recebido sérias críticas nos EUA. O Congresso norte-americano, por exemplo, criticou o presidente, pois sua ida à praça Tiananmen poderia significar que o governo "esqueceu" o massacre.
Os comentários feitos por Clinton durante o debate foram interpretados como uma estratégia para amenizar as críticas à visita.
Mísseis
Após a coletiva, os dois presidentes firmaram alguns acordos. Eles realizaram uma reunião de pouco mais de duas horas.
EUA e China, segundo a Casa Branca, vão deixar de apontar um para o outro seus mísseis nucleares de longo alcance.
Os dois países concordaram em evitar as exportações de tecnologia nuclear que possa ser utilizada por Índia e Paquistão na corrida armamentista. Clinton e Jiang afirmaram que a situação de segurança na Ásia está delicada.
No mês passado, Índia e Paquistão realizaram testes nucleares.
Apesar dos assuntos delicados, o debate entre os dois foi conduzido em um clima amistoso. "Podemos ter uma troca amigável de opiniões e discussões. E acho que isso é democracia", disse Jiang.



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